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‘A mulher negra tem voz, sabedoria, inteligência e propósito’, diz porta-bandeira Adriana Gomes, da Mancha Verde

'O samba foi criado para ter o poder de falar, falamos através das letras, da nossa cultura, do jeito que a gente dança', diz Adriana Gomes, em mais um capítulo da série 'Lugar de Fala'

“O negro é amor, o negro é capaz, o negro é lindo evoluindo sempre mais”. Os versos do samba–enredo da Nenê Vila Matilde, de 1997, se encaixam na história de vida de Adriana Gomes, 40 anos, porta-bandeira da Mancha Verde. Com mais de 20 anos de carnaval, a sambista inspira beleza, amor e paixão no Sambódromo do Anhembi. Ela é a personagem do “Lugar de Fala” desta semana e recebeu o site CARNAVALESCO para um bate-papo. Os primeiros passos da paulista foram conduzidos por dona Maria Gilsa e Raimundo Pereira, pais exemplares no estilo de vida, ensino e nota dez no quesito família.

“São as minhas maiores referências de conduta, de posicionamento, de tratamento com as pessoas, do que é o Carnaval, o samba e a sua essência, e entender a história de cada lugar onde eu pertenço e poder dar seguimento”

Ao levar em consideração o apoio dos pais, a criação dentro das escolas de samba e o contato direto com as baianas e as mulheres da velha-guarda, desfilar foi um desejo que surgiu na casa que respira carnaval o ano inteiro, além da convivência com outras pessoas que participavam da comunidade e semeavam as raízes da cultura na trajetória de vida da sambista que hoje colhe os frutos com felicidade.

“Não tive como não me apaixonar. Crescendo dentro de quadra a paixão se tornou mais forte. Quando me torno porta-bandeira, defendendo um símbolo nas minhas mãos, isso fica mais forte, evidente, latente, doído também porque quando você está apaixonado por aquilo, você quer defender aquilo com unhas, dentes, garras, e sangue no olho. Assim é a minha paixão”

Com passagens na Só vou se você for (1998-1999), Tom Maior (2000), Mocidade Alegre (2001-2012) e Mancha Verde, escola que entrou em 2014 e permanece até hoje, Dri, como é conhecida por amigos, é comprometida com o desenvolvimento e as funções da comunidade. O momento certo para alcançar um objetivo exige paciência e dedicação, elementos básicos para que cada componente apresente a própria competência e o interesse em aperfeiçoar o quesito na qual é responsável.

“Quando você escolhe uma escola de samba para defender, torcer, participar, você precisa entender a história, porque ela foi criada, de quem ela foi criada, porque aquele nome e símbolo da escola. Você precisa conhecer, além de respeitar o pavilhão e as pessoas da escola”

O papel do samba reflete no espaço social ao representar as diferenças entre os povos. Isso porque o modelo é instrumentalizado para abrir os ouvidos da população e abordar diversos temas como o racismo, preconceito, natureza, política de forma mais clara e permitida. O samba é o lugar onde o negro tem a sua vez, sendo essas histórias apresentadas na voz e alegorias dos componentes ao representar características da religião de matriz africana ou de diferentes regiões do Brasil por meio de símbolos e gestos nos desfiles.

“O samba foi criado para ter o poder de falar, falamos através das letras, da nossa cultura, do jeito que a gente dança. Expõe as mazelas, os problemas e através deles as pessoas mostram SUAS verdadeS”

Questionada sobre o poder da fala e os impactos na sociedade, Adriana defende o discurso bilateral. Outra que também apoia essa linha de raciocínio é a filósofa Djamila Ribeiro, onde em uma das suas frases, ela explica que a fala precisa de escuta para ser um diálogo. Durante anos, mulheres foram impedidas de votar e exercer outros direitos garantidos por lei, mas liderados por pessoas aos poucos essa bolha perdeu a força e a liberdade ganhou espaço, cor, forma, voz.

“Eu vou me sentir no lugar de falar em todos os momentos, porque eu tenho o poder, o dever e o direito de falar. Principalmente, quando a gente se sente ofendida, acuada para defender a nossa história, a nossa gente, para defender os nossos direitos. Em todos os lugares eu tenho esse lugar de fala, eu não me nego a me expor”

O posicionamento como mulher, negra e sambista sustenta a porta-bandeira que sabe a responsabilidade de conduzir o pavilhão, ser um símbolo de representatividade para outras pessoas e o quanto é observada em cada ação. Movimento elegante, meigo e com muita simpatia são destaques na vida de Adriana que aprendeu com os pais a importância se mostrar forte e respeitada, além de construir bons relacionamentos na trajetória.

“Hoje eu acredito que seja uma das grandes mulheres do Carnaval, muito respeitada, justamente pela minha postura e caráter em não ultrapassar a faixa de ninguém, a bandeira de ninguém, fazer o meu de maneira muito honesta, justa, sem que eu tenha que prejudicar alguém para chegar aonde eu estou”

Ser porta-bandeira exige disciplina e apesar do desfile durar uma noite os trabalhos ocorrem o ano todo. Adriana está envolvida em outros tipos de atividades que por questões de segurança não estão liberadas, apesar do andamento progressivo da vacinação em São Paulo, muitos sambistas enfrentam as dificuldades da pandemia sem perspectiva de quando será resolvido. Pensar em projetos a longo prazo para a população pode ser difícil, mas é o sonho das pessoas que trabalham com eventos e a cultura.

“A minha vida profissional sempre permeou o carnaval, antes realizando shows e apresentações, pois fui trabalhar com o Turismo. Hoje trabalho com a captação de recursos para viabilizar os carnavais de escola de samba. Eu sempre estou dentro do carnaval, seja dançando ou trabalhando”

Cultivar a energia e inspirar são as essências que impulsionam a resistência do samba, independente da cor, raça, credo, ou de qualquer outra proposta de vida. Alcançar a pontuação máxima ao defender o maior espetáculo da terra a céu aberto é uma das recompensas do trabalho duro realizado pela comunidade durante o ano inteiro, as mulheres nessa linha de frente tiram de letra no capricho e delicadeza.

“A mulher negra tem voz, sabedoria, inteligência, propósito e pode mostrar para fora do âmbito do carnaval. Nós temos o valor, o direito e o poder de ser quem a gente quiser e podemos lutar pois somos capazes”

Ser apaixonada pela arte, dança e pavilhão é o que move Adriana diariamente. Ela demonstra disposição, faz planos e acredita que tempos melhores estão por vir. Novos projetos na carreira artística podem surgir de acordo com a liberação dos órgão de saúde e a porta-bandeira está esperançosa com os projetos pessoais e otimista quanto à vacinação.

“Eu tenho mais 60 anos para viver, pois eu pretendo chegar até os 100 sem nenhum problema de saúde. Eu posso dizer que sou uma mulher muito feliz daquilo que eu trilhei, das coisas que eu conquistei. Sou muito realizada, feliz, claro que eu quero sempre mais, a minha batalha sempre vai ser para mais conquistas, independente se elas sejam vencedoras ou não”, conclui Adriana Gomes.

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