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Aconteceu na Sapucaí: os 20 anos da comissão de frente dos notáveis sambistas da Mangueira

Noel Rosa, Pixinguinha, Donga, Sinhô, Cartola, Nelson Cavaquinho, Candeia, Ismael Silva, Natal, Mestre Fuleiro, Tia Ciata, Clara Nunes, Clementina de Jesus e Carmen Miranda. Uma seleção de sambistas que reunidos fariam qualquer um fazer reverência a tantos mestres. Pois há 20 anos atrás no desfile da Mangueira o coreógrafo Carlinhos de Jesus ousou reunir todos eles, em uma caracterização impressionante. Para muitos a maior comissão de frente da história dos desfiles, que a série ‘Aconteceu na Sapucaí’ relembra nesta reportagem.

Carlinhos de Jesus é um dos mais renomados profissionais da dança no Brasil. Passista criado pela Em Cima da Hora assumiu a comissão de frente da Mangueira para o Carnaval de 1998. O quesito vivia um momento de importante mudança. Fábio de Mello mudara o conceito das apresentações, criando coreografias com desenhos rebuscados e figurinos de alto nível. Enfileirou prêmios a partir do início dos anos 90. Carlinhos em seu primeiro ano trouxe um grupo representando a Ópera dos Malandros, no enredo que homenageava Chico Buarque. A Mangueira foi campeã e Carlinhos foi o grande nome do desfile, em 1998.

Para o desfile de 1999 a Mangueira apresentaria o enredo ‘O Século do Samba’. Uma homenagem ao gênero genuinamente brasileiro. No período de pré-carnaval o samba fez um enorme sucesso pois ao lado do inigualável Jamelão, a escola convidou o pagodeiro Alexandre Pires para uma participação especial na faixa. O cantor mineiro vivia o auge da carreira, com uma vendagem do álbum do Só Pra Contrariar que à época bateu o recorde absoluto de vendas de CDs dois anos antes. Além do samba era enorme a expectativa pelo desfile, afinal a Mangueira vinha de um campeonato que não conquista havia 11 anos e lutaria pelo bicampeonato com um enredo com a cara da verde e rosa.

Carlinhos de Jesus talvez seja o profissional da coreografia de comissões de frente que tenha sido o primeiro a inserir o aspecto da surpresa e do segredo no quesito. Na época ele conseguiu manter a sete chaves sua ideia para a comissão no desfile da Mangueira. A ideia era simples, porém muito simbólica. Os 14 notáveis do samba se apresentariam caracterizados e em um dado momento deixariam seus objetos característicos no chão da avenida e fariam uma dança de ijexá em círculo. A execução deixou a plateia estupefata, a ponto de a filha de Donga descer à Apoteose para ‘pedir’ a bênção ao pai. Simbologia, singeleza, impacto. A Mangueira iniciava seu desfile causando choque.

Comissão custou R$ 56 mil e contou com objetos originais dos homenageados

“Tudo bem que a Viradouro fez um desfile de campeã. Também acho que o Salgueiro estava arrasador. E foi mesmo emocionante o canto à brasilidade da Mocidade. Mas o carnaval de 1999 vai entrar para a história como o ano da comissão de frente da Mangueira”. Essas foram as palavras do jornalista Artur Xexéo em sua coluna na edição do Jornal do Brasil na terça-feira de carnaval.

Estava claro para todos que o que fizera a Mangueira não seria jamais esquecido. O espetáculo proporcionado pelo trabalho de caracterização e maquiagem custou R$ 56 mil. Valor quase irrisório se comparado com as exorbitantes comissões de frente da atualidade. Para chegar no objetivo a Mangueira contou com a atuação do maquiador Vavá Torres, que passou um mês em Nova Iorque pesquisando texturas e materiais para reproduzir nos bailarinos os rostos dos bambas homenageados. O figurinista Luiz de Freitas cuidou da criação do figurino dos 14 sambistas escolhidos para a homenagem. Na época todos já haviam morrido.

Transmitindo o desfile da Mangueira à época pela TV Globo o apresentador Fernando Vanucci não conseguiu segurar a incredulidade com o que estava diante de seus olhos. “A Clementina de Jesus foi esquecida, de propósito, porque era o jeito dela. É impressionante”, suspirava o jornalista durante a transmissão.

Além do trabalho de maquiagem e figurino, Carlinhos de Jesus fez questão de usar objetos originais dos sambistas. O óculos de Cartola e a apiteira de Donga eram os originais usados por eles. Carlinhos disse em entrevista à época que fez um intenso trabalho de imersão dos bailarinos nos personagens.

“Talvez para o visual qualquer apiteira ou óculos que eu usasse não faria a menor diferença. Mas para o simbólico e espiritual foi de suma importância. Os bailarinos fizeram um trabalho de caracterização teatral, assistiram vídeos. O rapaz que viveu o Candeia passou meses usando uma cadeira de rodas, pois ele (Candeia) havia ficado sem andar depois de levar um tiro”, revela.

Mas a avenida tem seus mistérios e caprichos. O destino ou os deuses da folia não quiseram que aquele espetáculo jamais fosse repetido. O desfile da Mangueira apresentou problemas em vários quesitos, conforme conta o jornalista Fred Sabino, no blog Ouro de Tolo.

“A escola, inchada como de costume, e talvez pela grandeza da apresentação da comissão de frente, evoluiu com lentidão no começo e precisou correr no fim do desfile. Houve grandes buracos, o que certamente causaria perda de pontos. As alegorias, embora contassem bem o enredo e preservassem as cores da escola, tiveram alguns problemas de acabamento. Já as fantasias, embora leves e mais bem acabadas, eram um tanto mais genéricas. A escola continuou cantando o samba até o fim, embalada pela excelente bateria, mas, pelos problemas apresentados, ficou um gosto de quero mais”, relatou.

A Mangueira terminou a apuração caprichosamente um ponto atrás do Salgueiro, a última a garantir uma vaga no Sábado das Campeãs. Alegorias, evolução e mestre-sala e porta-bandeira, quesitos onde a verde e rosa não obteve nenhuma nota 10, acabaram tirando não somente o sonho do bicampeonato, mas também a possibilidade de todos em rever uma das comissões de frente inesquecíveis na história dos desfiles. ‘Aconteceu na Sapucaí’ o dia em que os ancestrais do samba voltaram de outro plano para emocionar a todos.

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