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Aconteceu na Sapucaí: os 30 anos de ‘Ratos e urubus, larguem minha fantasia’, a maior obra de João 30

‘Pobre gosta de luxo. Quem gosta de miséria é intelectual’. A frase foi dita por João Jorge Trinta, o maior gênio da história do carnaval. Joãosinho Trinta teria dito a célebre frase após receber muitas críticas pelo seu desfile no Carnaval de 1988, quando a Beija-Flor tirou o 3º lugar com o enredo ‘Sou negro, do Egito à liberdade’. O desfile foi apontado à época como o mais luxuoso da história dos desfiles.

As críticas ao estilo de Joãosinho Trinta vinham de sambistas que consideravam que os antigos bambas estavam ficando fora das escolas. A resposta para os críticos nasceu no verão europeu de 1988, mais especificamente em Londres, onde a Beija-Flor fazia uma excursão, como conta o jornalista Aydano André Motta no livro ‘Maravilhosa e soberana: histórias da Beija-Flor’.

“A santa maluquice de um enredo sobre o lixo surgiu no verão europeu de 1988. A Beija-Flor foi fazer uma apresentação em Londres e tarde da noite Joãozinho passeava com a sua principal assistente, Marly Das Graças Alvarenga, quando os dois avistaram uma mendiga. A roupa dela estava em tiras, o que lhe conferia certa elegância. Serviu como epifania para o carnavalesco: ‘já sei qual é o meu enredo. olha ali’, avisou a acompanhante. ‘O João encheu o mesmo a escola de mendigos, que não tinham ligação com a Beija-Flor. A gente recolheu na rua’, relata Marly, que depois migrou para a velha-guarda e graças à memória prodigiosa é um arquivo vivo”.

‘Ratos e Urubus, larguem minha fantasia’ foi um claro recado de Joãosinho Trinta aos seus críticos. Com o enredo ele provaria definitivamente que seus luxuosos carnavais nada mais eram que uma reunião de materiais simples, que reunidos davam uma conotação de riqueza. Mas para fazê-lo era preciso a sensibilidade, o talento e a genialidade de João.

‘Quem não seguiu o mendigo Joãsinho Beija-Flor?’

Em 1989 a Proclamação da República completara 100 anos. O grande samba daquela safra é até hoje o maior da história da Imperatriz Leopoldinense. ‘Liberdade, liberdade. Abre as asas sobre nós’. As temáticas políticas dominaram aquele desfile, afinal além da efeméride centenária, o Brasil escolheria no fim do ano o seu presidente em votação direta pela primeira vez depois do fim do regime militar.

Eram impressionantes 18 escolas que desfilavam no domingo e na segunda-feira de carnaval. No sorteio a Deusa da Passarela foi sorteada para ser a oitava a passar pela avenida. O dia já estava claro na terça-feira de carnaval, 07/02/19, quando a agremiação cruzou a avenida com uma imagem que certamente é uma das mais fortes da história dos desfiles. E até hoje suscita uma enorme polêmica entre dois grandes astros da festa.

Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, o Laíla, estava afastado da Beija-Flor, desde 1980. Mas foi o experiente sambista quem evitou que Joãosinho tivesse deixado a azul e branca antes do desfile de 1989, após uma briga do artista com a cúpula da família Abraão David. A condição para a permanência na agremiação, segundo o próprio João, era o regresso de Laíla na função de diretor de carnaval. Começava ali uma das grandes polêmicas da história do carnaval, como relata Aydano André Motta em seu livro.

“Os dois (Laíla e João) mais Viriato Ferreira, figurinista e carnavalesco festejado, começaram a desenvolver o tema. Entre os componentes o clima era de angústia diante da nova maluquice de Joãosinho. Um enredo sobre o lixo. O abre-alas teria os Arcos da Lapa cercados por uma imensa favela. ‘Eu repentinamente olhei, chamei o João e falei que tal um Cristo mendigo? Fui eu que falei. Fui eu’. Joãozinho não pareceu se animar. ‘Laíla, eu acho que isso não vai caber’. O diretor de carnaval conta que naquela mesma noite haveria o ensaio da comissão de frente, que seria formada por esfarrapados que jogariam moedas para o povo. ‘Estava todo mundo reunido, eu junto e o João de repente falou: eu tive uma ótima ideia. Tive uma ideia excelente e continuou, que tal um Cristo mendigo saindo de dentro da favela?’, todo mundo aplaudiu e eu fiquei com cara de trouxa’. Fevereiro chegou e o Cristo mendigo da Beija-Flor vira o assunto da cidade, até demais. No sábado de carnaval chegou no barracão um oficial de justiça com uma liminar assinada pelo juiz Carlos Davidson de Menezes Ferrari da 15ª Vara Cível do Rio que, a pedido da Cúria Metropolitana, proibia a exibição pública da alegoria. Joãosinho enfurecido quase entrou em órbita. Laíla estava na casa de Anísio quando recebeu a notícia. Os dois entraram no carro do patrono e rumaram para o barracão. ‘Na saída do túnel em frente ao Shopping Rio Sul falei: tive uma ideia. Não precisa o Cristo deixar de sair, vamos cobrir e escrever uma frase: ‘mesmo proibido, olhai por nós’. A frase também é minha’, sublinha o diretor de carnaval. O barracão estava mais movimentado do que a Sapucaí em dias de desfile. Imprensa, curiosos e toda a fauna. João alvoroçado repetia aos internos ‘ninguém bota mão no meu Cristo. ninguém bota mão no meu cristo’. ‘Anísio sugeriu que o carnavalesco cruzasse avenida acorrentado à imagem mas ele não aceitou, foi quando eu dei a minha ideia’, relembra Laíla. ‘O João se trancou numa sala do barracão e quando voltou fez a mesma coisa: tive uma ideia excelente vamos cobrir e lançou a frase que é minha’. Começava ali uma ruptura inevitável”.

De quem foi a ideia do Cristo Mendigo? Somente Anísio Abrahão David pode contar. O fato é que a alegoria entrou na avenida e o que se viu no Sambódromo daquela manhã foi um desfile impressionante. A Beija-Flor ofereceu ao público naquele carnaval um verdadeiro banquete de conceitos artísticos e cada imagem daquela apresentação se tornou imortal, como conta o jornalista Fred Sabino, no blog Ouro de Tolo.

“Com este choque inicial, a Beija-Flor, quem diria, entrou na avenida com mendigos, sucatas e farrapos. Apenas depois, conforme o desfile entrava na parte do ‘lixo do luxo’, a divisão cromática mudou, com tons de rosa, preto, dourado e azul tomando conta de fantasias e carros, todos super pertinentes ao enredo. Os componentes, evidentemente, empolgados com a catarse que acontecia, cantaram o samba por toda a pista com muita vontade, e o público acompanhava. Samba que, diga-se de passagem, não era tão poético como os de Imperatriz e Salgueiro, por exemplo, mas deu conta do recado com valentia. Outro ponto emocionante do desfile foi a apresentação simultânea de oito casais de mestre-sala e porta-bandeira, que no fim se uniam numa roda e saudavam o público. Joãozinho Trinta e outros componentes da diretoria desfilaram fantasiados de garis da Comlurb e o carnavalesco se divertiu com uma mangueira de água. Extasiado, João 30 chegou à Praça da Apoteose com a escola recebida com gritos de ‘é campeã'”.

O cantor e compositor Caetano Veloso eternizou o desfile daquele ano da Beija-Flor na canção ‘Reconvexo’. Em um determinado momento da letra a música levanto o questionamento pertinente: ‘Quem não seguiu o mendigo Joãosinho Beija-Flor?’.

Duelo com a Imperatriz termina empatado e Beija-Flor perde no desempate

Terminada a maior segunda-feira de carnaval da história a expectativa se volta para a apuração. O duelo na leitura de notas opôs dois estilo antagônicos de carnaval. Um mais clássico, de Max Lopes e outro transgressor, de Joãosinho Trinta. Toda a imprensa repercutia qual das duas agremiações levariam o campeonato. Qualquer resultado diferente disso soaria como um escândalo sem precedentes.

Não deu outra. A apuração se mostrou um duelo ponto a ponto entre Ramos e Nilópolis. Eram três jurados por quesito e a menor nota era descartada. Entretanto em caso de empate, haveria a soma de todas as notas para conferir a vencedora. A Beija-Flor não alcançou os 30 pontos em bateria, conjunto, evolução, mestre-sala e porta-bandeira e samba-enredo. A rival Imperatriz gabaritou a apuração somente com notas 10 de todos os jurados e em todos os quesitos.

A revolta tomou conta de Nilópolis pela nota aplicada pelo jurado João Máximo. De acordo com a justificativa do julgador, o samba merecia a nota 9 pelo verso “Leba larô, ô ô ô ô/ Ebo lebará laiá laiá ô” ser ofensivo à língua portuguesa. Ocorre que as palavras reunidas formavam um canto africano. Aconteceu na Sapucaí um desfile em que Joãosinho Trinta chocou o mundo e definitivamente mostrou ser o maior gênio da história do carnaval.

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