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Barracões: Lins Imperial vai mostrar que crítica social de Bezerra da Silva ainda está bastante atual

Por Lucas Santos

“Que mal lhe fez meu povo humilde da colina que mora lá em cima vivendo uma vida de cão”. Crítico ferrenho das desigualdades sociais e defensor dos mais humildes principalmente aqueles que moram nos morros cariocas, como observado na letra da canção “Povo da Colina” apresentada acima, Bezerra da Silva será tema do enredo da Lins Imperial que pretende mostrar que sua obra ainda continua bastante contemporânea. A ideia do enredo foi do carnavalesco Guto Carrilho que um dia cantarolava uma das canções de Bezerra quando imaginou a possibilidade de retratar o sambista e sua obra em forma de enredo.

“A duplicidade das letras me fazia viajar e criar universo próprio do que se mostrar e como. Inicialmente a escola tinha outras propostas de temas entrando numa quase pré-produção. O presidente Flávio Mello numa conversa ao telefone perguntou se eu tinha uma ideia. De cara propus o título: ‘Malandro é Malandro, Bezerra é da Silva’. No qual nem esperava ser escolhido”, explica Guto.

A irreverência e a crítica ao moralismo são as características de Bezerra da Silva que a escola pretende apresentar na Avenida aproveitando o gancho da obra do cantor para falar das desigualdades sociais e da censura aos artistas que contam a realidade dos morros e periferias em geral. Desta forma, a escola acredita que conseguirá falar da obra de Bezerra e mostrar que a realidade vivida pelo artista nos anos de 1960, quando começou a carreira, até hoje pouco mudou. A contemporaneidade da obra do cantor e compositor de partido-alto foi o que mais chamou a atenção durante a pesquisa que analisou diversas canções do artista.

“O mais interessante é o quanto os fatos se repetem ou nós não saímos do lugar. É a mesma história, os mesmos problemas. Entra ano e sai ano… o que Bezerra da Silva cantava há alguns anos acompanha-nos até hoje”, se surpreende o carnavalesco.

Músico premiado com onze discos de ouro durante a carreira, adepto da boemia, crítico compositor e com uma vida bastante movimentada. Este era Bezerra da Silva. A infinidade de fatos marcantes em sua trajetória fez com que a agremiação tivesse que fazer recorte do enredo focando em seu repertório e o contexto social ao qual ele estava relacionado, suprindo um pouco da vida do cantor que estudou violão clássico por oito anos era letrado em partituras.

A Verde e Rosa do Lins vai iniciar o desfile apresentando o dia-a-dia do morro do Cantagalo, na Zona Sul Carioca, onde Bezerra morou no início dos anos 1950, apresentando o contraste entre a vida no morro e a vida no asfalto. Em seguida, este mesmo morro já aparece sendo exposto a partir das músicas do cantor. Guto acredita que este setor é uma grande aposta da escola para o desfile pois irá apresentar composições famosas de Bezerra como “a semente”, “pai véio 171”, e claro, a que quase dá nome ao enredo, “Malandro é Malandro, Mané é Mané” que vão mexer com o público além é claro da do trabalho da Lins realizado para o Carnaval 2019.

“O grande trunfo é a Lins Imperial que cada ano vem mostrando mais seriedade e comprometimento com o trabalho em sua comunidade e o carnaval. A solidez que a escola vai adquirindo anualmente. Para impressionar o público aposto no Setor 2, onde apresentaremos algumas de suas canções em forma de fantasia. Valerá muito à pena assistir o desfile da Lins”, arrisca Guto.

No decorrer da apresentação, a escola vai relacionar as músicas de Bezerra que denunciavam as desigualdades e o preconceito das elites devido ao seu caráter crítico com a discriminação que existe até hoje entre ricos, entre o povo do asfalto, aqueles que não moram em favelas, com o povo mais pobre da periferia.

“O fio condutor é justamente a diferença social (de todas as formas) e como as pessoas enxergam uns aos outros com senso crítico preconceituoso e moralista”, aponta o carnavalesco.

Descaso com mais pobres cantado por Bezerra é sentido também dentro da escola

Em meio a um enredo que fala sobre Bezerra da Silva, crítico incessante do descaso do poder público com os mais pobres, a escola da Série B sente na pele esse desleixo das autoridades, aliás como quase todas as escolas dos Grupos de Acesso que não receberam nenhum centavo de subvenção da prefeitura.

“O desenvolvimento do desfile de carnaval é um trabalho de produção de evento que requer investimento e precisa fazer girar um capital. São custos e despesas que não ficam restritos somente às alegorias e fantasias. Existe e é necessária uma infra até se chegar aos brilhos finalmente. A crise atrapalha para contratar mão-de-obra (geração de trabalho) e matéria-prima. Constantemente a diretriz muda e a criatividade tem que andar junta. É um exercício que não para. Eu desenvolvo com o que a escola oferece”, esclarece Guto.

O carnavalesco da agremiação da Zona Norte do Rio confessa que tem aprendido com a crise a entender também que certas adaptações devem ser feitas e que a falta de recursos acaba por intervir diretamente no trabalho do profissional de carnaval fazendo com que ele tenha que ser mais criativo.

“Demorei um pouco pra entender e aceitar as adaptações feitas com a realidade que temos. Percebo que as mudanças nem sempre são por uma condição de intervir no projeto por se ter gosto diferente ao seu. Carnaval na Série B, como demais grupos da Intendente, é desafiador o tempo todo, porém tem seu lado prazeroso desde que a escola seja coesa. O descaso do poder público avança dos limites das avenidas. Ele atinge a sociedade como um todo. Está aí o Bezerra provando e comprovando”, assume o carnavalesco.

Para se ajustar à nova realidade financeira do carnaval da Série B, a escola tem observado pontos do enredo que retrata muito a realidade pobre das comunidades do Rio de Janeiro para utilizar materiais mais baratos como plásticos comuns utilizados na rotina das pessoas, mantendo assim, a coerência com o tema tratado .

“No primeiro carro, estamos usando embalagem plástica para quentinha para representar uma luminária de poste. Dessa forma, você encurta o caminho de produzir algo para o desfile. E também, vai riscar um item da lista de desafios”, explica Guto.

Entenda o desfile

A Lins Imperial será a terceira escola a desfilar na terça-feira de carnaval na Estrada Intendente Magalhães com o enredo ‘Malandro é Malandro, Bezerra é da Silva’. A agremiação virá para o desfile com um número de 450 a 500 componentes organizados em 20 alas e três carros alegóricos. O carnavalesco Guto Carrilho ajudou a esclarecer um pouco de cada setor que a escola vai apresentar na Avenida.

Setor 1 – Tomada de Consciência

“A Lins Imperial inicia a apresentação com o contraste da comunidade representado pelo asfalto com sua urbanística organizada. Nesta momento será retratado a vida no morro do Cantagalo onde Bezerra viveu no anos 1950“.

Setor 2 – O cotidiano da favela escancarado

“Em seguida o morro e seu cotidiano são mostrados a partir das músicas que relatam personagens e fatos. As composições mais famosas do sambista virão representadas a partir de algumas fantasias. Entre as canções que serão facilmente reconhecidas pelo público estarão ‘a semente’ e ‘pai véio 171’ “.

Setor 3 – O asfalto escandalizado e a denúncia

“No terceiro setor denominado como denúncia mencionamos o descaso, maus-tratos, desrespeito e preconceito da sociedade soberba e dos representantes sanguessugas.Da sinopse: ‘Sigo adiante e, enfim, chego ao asfalto. Aqui embaixo me acusam de defender bandido. Acho de uma graça… Aqui, no outro lado da linha que nos divide, o povo do alto partido, escandalizado, acha que tudo que é mazela vem da colina. Condena nossa forma de pensar e de viver’” .

Setor 4 – O legado / meu samba é duro na queda

“Encerramos com a mensagem deixada pelo Bezerra da Silva: igualdade, amor, cidadania e respeito.A semelhança da crítica do cantor com artistas do funk, rap, rock e hip-hop será também exposta nesta parte final“.

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