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Barracões: No ‘Frasco do bandoleiro’, Inocentes trará plástica diferenciada

Por Diogo Cesar Sampaio

Quarta colocada no carnaval de 2018, a Inocentes de Belford Roxo quer alcançar uma posição ainda melhor em 2019. Para isso, trouxe o carnavalesco campeão da Série A em 2017, Marcus Ferreira. Com o enredo “O frasco do bandoleiro – Baseado num causo com a boca na botija”, Marcus aposta novamente na temática nordestina, presente em outros trabalhos seus. O artista promete trazer um novo olhar sobre a trajetória de Lampião e seu bando. Uma visão mais humana, que mistura o folclore com fatos históricos, toda contada através de objetos característicos dos cangaceiros, como os frascos.

“Quando eu fui contratado, o presidente me pediu uma temática que tivesse ligação com o nordeste. Mas um nordeste enraizado, que olhasse e visse de imediato a região. Eu queria algo que fugisse do aspecto plástico. Comecei a pesquisar sobre vários assuntos e levei para a direção três temas. Os três temas foram pensados para desenvolver o carnaval diante das dificuldades na Série A. Queria algo que fosse de fácil leitura. Durante as pesquisas sobre vários aspectos do nordeste, eu escolhi falar sobre os objetos que os cangaceiros usavam, no contexto de Lampião e Maria Bonita. Depois disso, passei a ver vários filmes célebres sobre o cangaço brasileiro pra poder entender até as vestimentas deles, além de todas as dificuldades de se viver no sertão. Esse enredo é um olhar meu. O enredo não vem de uma pesquisa ou de um livro. É um olhar fotográfico, sobre tudo que o bando viveu”.

A construção do enredo, baseada em um olhar próprio do artista, é o grande trunfo da Inocentes para Marcus Ferreira. Através de curiosidades sobre a vida dos cangaceiros, o carnavalesco pretende abordar questões sociais do nordeste, principalmente do sertão e de seu povo.

“Minha grande aposta é a maneira como o carnaval está sendo construído. A minha ideia é falar do objeto que não tão somente é usado pelo cangaço, mas o objeto usado pelo sertanista nordestino. O presidente me pediu que o enredo tivesse uma pitada social. Toda vez que eles paravam numa cidade, eles colocavam sobre a natureza seca e quase morta do sertão, os objetos que eles carregavam. Expunham a condição de vida deles. Também observei que o fato de eles andarem com as mãos cheias de anéis, é porque eles não tinham como carregar fisicamente. E é por isso também, que eles costuravam as moedas de ouro e prata na roupa. As mulheres tinham muitos broches que eram frutos dos roubos, principalmente dos coronéis. Em cima disto, eu criei o frasco do bandoleiro. É o frasco que conceitua tudo que guarda. Eu descobri várias curiosidades sobre isso”.

A proposta diferenciada de enredo também pode ser observada na plástica da escola. Característico do carnavalesco, o uso de materiais alternativos e incomuns é ainda mais preponderante em 2019, se comparado aos trabalhos anteriores de Marcus. Objetos corriqueiros do dia-a-dia estão sendo utilizados em larga escala na confecção do carnaval da Inocentes. Desde garrafas pets no abre-alas, até panelas e baldes na última alegoria.

“Um ponto diferente da Inocentes em 2019 é a plástica. Usamos os frascos, que estão no enredo, em sua totalidade. Revestir um carro todo de garrafas pet e caixotes de feira eu nunca tinha feito, e fiz esse ano. É até difícil escolher algo para destacar, que chama mais a minha atenção. Eu gosto muito da fantasia da ala das baianas, por exemplo, pela concepção, por ser uma fantasia diferente. Cada carro tem uma materialidade diferente. O abre-alas eu aproveito a parte do circo e uso muitos tipos de garrafas, não só as pets. No último carro eu uso frascos nossos, do cotidiano, que jogamos fora como panelas, bacias, baldes”.

A proposta plástica da Inocentes em 2019 representa também uma ruptura ao que vinha sendo apresentado pela escola nos últimos carnavais. As saídas do carnavalesco Wagner Gonçalves depois de anos de casa, aliada a chegada de Marcus Ferreira, corroboraram para uma nova ‘cara’ para escola.

“Todo artista tem a sua marca, cada um tem sua personalidade. O Wagner é muito meu amigo. A Inocentes ficou durante anos convivendo com a arte do Wagner. E agora eu trago um pouco da minha marca. Eu sempre procuro ouvir o que a escola deseja. Nos últimos anos, a Inocentes veio sempre com temática africana e negra, ou com algo relacionado. Quando eu cheguei, o presidente pediu por algo novo. Justamente para dar uma mudada na cara da escola. Resolvi vir com o que tenho de mais característico no meu trabalho: figurinos leves, com alta costura e muito colorido”.

Durante a entrevista, Marcus Ferreira comentou sobre como lida com a pressão por resultados. Ele falou também sobre como é chegar a Inocentes em um momento de ascensão da escola, que após a rápida a passagem pelo Grupo Especial em 2013, acumulou uma série de resultados intermediários até o carnaval passado, quando ficou em quarto lugar, e voltou a disputar pelo título.

“Eu sou um cara que trabalho muito. Eu já passei por dificuldades em alguns trabalhos, até dificuldades extremas. Até o título do Império (Serrano) foi muito difícil. Devido a todo o peso do Império Serrano, e por ele estar a nove anos no Acesso na época, eu era muito cobrado. Porém, já no meu primeiro ano alcançamos o campeonato. Aqui na Inocentes, nós estamos tendo muita dificuldade, assim como todas as escolas este ano, e estamos fazendo um trabalho muito pé no chão. E posso dizer que aqui eu tenho contado com o apoio de todos, do presidente ao diretor de carnaval. Aqui eu sou apenas uma parcela de um todo, para fazer a Inocentes chegar mais a frente ainda. Eu quero trazer uma escola competitiva”.

A crise no carnaval

O carnavalesco da tricolor de Belford Roxo ainda falou sobre o atual momento do carnaval. Ele contou um pouco do esforço que há para por uma agremiação na rua, independente das dificuldades enfrentadas no atual estado de crise da festa.

“Eu costumo dizer que o carnaval da Série A é o carnaval da possibilidade, da dificuldade. Esse ano é o carnaval da impossibilidade. Não é só o que o carnavalesco pode usar, mas o que as diretorias podem entregar. O esforço é pensar o carnaval no coletivo. Eu tive o manejo de olhar o carnaval como um todo, para justamente poder finalizar o que está na parede da minha sala”.

Marcus também relembrou outros momentos difíceis que passou em sua carreira, quando devido a problemas nos bastidores, viu o seu projeto idealizado não ir de maneira completa para a avenida. Ele comparou esses momentos de dificuldade com o atual, onde todas as escolas tiveram que se adaptar a um corte de 50% da verba, anunciado pela prefeitura, às vésperas do carnaval.

“As pessoas precisam entender que o carnavalesco é só uma parcela do projeto. Geralmente, se o projeto não vai para Sapucaí, o carnavalesco não é o culpado. Eu já sofri em alguns momentos em que os projetos que fiz não foram completos para a avenida. Já cheguei a praticamente morar em barracão para entregar projeto. Aqui na Inocentes, estamos fazendo o carnaval na medida do possível. Todas as escolas estão com atraso. Digo por conversar com outros colegas. Contudo, dentro do possível estamos fazendo um carnaval grande e detalhado. Acredito que do jeito que estamos caminhando, chegaremos completos na avenida”.

Encomenda de samba

Bastante criticada anteriormente no mundo do carnaval, a encomenda de samba vem ganhando cada vez mais espaço entre as escolas, principalmente as da Série A. É uma alternativa que gera certa polêmica, mas que reduz custos para agremiação, algo fundamental em tempos de crise. Pelo segundo ano consecutivo, a Inocentes recorreu à prática, embalada pelo bom resultado da encomenda em 2018. E durante a conversa com a reportagem do site CARNAVALESCO, Marcus Ferreira falou sobre como é trabalhar com esse tipo de obra, além de dar sua opinião sobre os sambas encomendados.

“Pessoalmente, eu prefiro trabalhar com sambas encomendados. Até porque as escolhas, hoje, de samba são um pouco cansativas para diretoria e para o carnavalesco. Quando temos a possibilidade de encomendar, nós vamos lapidando até chegar ao ponto ideal que queremos. Olhando como sambista, a questão das escolhas é melhor porque aproxima a comunidade, tem a questão de movimentação na quadra. Mas, no momento atual do carnaval e de segurança da cidade em relação à locomoção, eu vejo hoje a encomenda como algo positivo”.

Entenda o desfile

A Inocentes de Belford Roxo será a sexta escola a desfilar na sexta-feira de carnaval. Ao todo, a agremiação da Baixada Fluminense levará para Marquês de Sapucaí um total de 2 mil componentes, divididos em 19 alas e 4 alegorias, sendo o abre-alas da escola acoplado.

Setor 1: A alma de artista bandoleiro de Lampião

“Lampião não era só um bandoleiro, um fugitivo social. Ele tinha um apelo pelas artes, pelas primeiras manifestações culturais no Nordeste. Lampião financiou circos, daí sempre meu olhar sobre o frasco. Os malabaristas eram malabaristas de garrafas, lá nos primeiros circos do Nordeste. Lampião também financiou folias de reis, ele era uma espécie de miliciano da década de 20. As vestimentas das folias de reis eram de frascos da natureza, como cabaças, porungas. Isso conceitua a alma de artista bandoleiro do Lampião, que inicia o carnaval da Inocentes”.

Setor 2: A lida dos frascos acompanhando a vida bandida

“A colheita dos alimentos, frutas e cereais, de cumbucas de farinhas. Nesse segundo setor, sãos mostrados os objetos que a lida na natureza deu ao bando. As gaiolas de cipó para guardar as galinhas, os bodes, os caprinos, as cestarias. O segundo carro tem toda uma construção que deixa evidente o frasco. Ele será feito todo de caixote de feira. Esse carro irá demonstrar as leguminosas, frutas, os animais e tudo aquilo que eles roubavam dos pequenos comerciantes pra poder fugir para grutas e lugares mais improváveis.”

Setor 3: A questão festiva do bando

“Ao contrário do que se imagina, o bando de Lampião não bebia somente cachaça. Eles também bebiam muito vinho para espantar o frio do sertão. No terceiro setor, a Inocentes mostra que Lampião pressentia que, a qualquer momento, ele poderia morrer. Ele sentiu isso, cerca de 2 a 4 meses antes de sua partida. Ele estava no Raso da Catarina na Bahia, uma região montanhosa, que não é muito auspiciosa a vida. Ali ele enterrou garrafas de bebida e parte do tesouro em botijas do bando. As rendeiras que margeiam o Rio São Francisco, lá na Bahia, dizem que ouvem até hoje o cavalgar dele com o trote das garrafas. Isso talvez tenha originado o hino ao cangaço brasileiro que é uma composição do Lampião: “Mulher rendeira”. Outra curiosidade é que o lugar é um vale que foi habitado por uma cacique chamada Catarina. Ali ele enterrou esses tesouro também em botijas”.

Setor 4: Os frascos do bando e “a bacia das almas”

“O último momento da Inocentes é quando o bando atravessa o Rio São Francisco e chega ao Sergipe. Lá todos os filmes mais conhecidos do cangaço brasileiro, mostra que eles chegaram Grota de Angicos, que era o lugar em que Lampião acreditava que o bando ficaria 6 meses, por ser um lugar baixo. Eles acamparam, colocaram todos os frascos, todos os pertences, após o desbravamento pelo sertão. Lá tiveram uma noite regrada de vinhos. Contudo, a “volante” já estava no encalço deles. Dormiram e ao amanhecer, no dia 28 de julho, acordaram sob os tiros de metralhadora. Os frascos foram as testemunhas da barbárie de Angico, em que se exterminou todo o cangaço brasileiro. O último carro “A bacia das almas” mostra os 14 mortos. Eles tiveram as cabeças cortadas e salgadas nos frascos que estavam na grota de Angico. Encerramos o desfile mostrando que hoje os brasileiros são outros. Hoje temos outras vítimas sociais. Eu não encaro o cangaço como bandidos. Claro, que tinham toda a perversidade deles, mas foram justiceiros sociais”.

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