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Em crise, escolas da Série A olham para dentro em safra de enredos

O momento das escolas do principal grupo de acesso do carnaval carioca, a Série A, pode ser destacado como um dos mais dramáticos de toda história deste grupo. Com agremiações de envergadura e grandes torcidas o grupo sofre com integrantes da Lierj que não sabem onde farão seus carnavais, afinal, foram despejados de seus barracões e há também aquelas que permanecem em galpões por força de ações na Justiça.

Enquanto urge uma união entre poder público e a Lierj no intuiuto da construção de uma Cidade do Samba 2 para que o carnaval da Série A não decline ainda mais, as agremiações que fazem parte dos desfiles de sexta e sábado de carnaval buscam enredos onde olham para dentro de si em uma safra que em sua maioria se apoia em temáticas que repelem o preconceito contra a cultura do samba, em tempo de um Brasil conservador e intolerante com as diferenças. Abaixo, um guia dos enredos da Série A para o carnaval 2019.

Unidos de Padre Miguel: ‘Qualquer semelhança não terá sido mera coincidência’

Vice-campeã em 2018, a vermelha e branca da Vila Vintém segue o sonho de voltar a desfilar na elite do carnaval, o que não ocorre desde 1972. A agremiação desta vez homenageia uma das figuras mais emblemáticas da dramaturgia brasileira, Dias Gomes. O sorteio colocou a Unidos pela primeira vez na sexta-feira de carnaval, onde será a quinta a desfilar.

“O nosso enredo traz as obras e seis personagens criados pelo escritor Dias Gomes, cujos temas abordados em peças, filmes e novelas são um retrato do Brasil de hoje.
As obras de um dos mais importantes autores de teatro, rádio, cinema e TV, abordam com reflexão e bom humor questões sociais que estão em pauta ainda hoje no país. Serão trazidos em desfile temas como intolerância religiosa (em o Pagador de promessas), a vida no interior e os dribles que os políticos dão no povo (O bem amado e Roque Santeiro), a vida nas grande cidades (tratados em O Espigão e Bandeira 2) e o realismo fantástico (presente em Saramandaia, cuja história até hoje permeia a imaginação do povo brasileiro)”, explica o carnavalesco João Vítor.

Porto da Pedra: ‘Antônio Pitanga – Um negro em movimento’

Desde o seu rebaixamento à Série A em 2012 o Tigre de São Gonçalo jamais esteve tão perto do regresso à elite. A cada ano se aprimorando em seus desfiles, o carnavalesco Jaime Cezário vive o momento mais iluminado de sua trajetória. E novamente aposta em um enredo com forte apelo popular. O homenageado pela Porto da Pedra em 2019 será Antônio Pitanga, ator e militante da cultura do samba no Brasil e no exterior. A Porto será a quarta a desfilar no sábado de carnaval.

“A Porto da Pedra em 2019 vai homenagear o ator Antônio Pitanga que completa 80 anos, sendo 60 deles dedicados à cultura e à vida pública. Nosso homenageado despontou no Cinema Novo nos anos 60 e marcou presença em terrenos tão díspares como o teatro de vanguarda paulista, as novelas de televisão, a militância política e as relações afro-brasileiras. Desenvolver este enredo é motivo de grande orgulho. Antônio Pitanga mostra com sua história de vida que o impossível não existe. Um homem do povo que através de sua arte, sempre em movimento, continua transformando realidades e servindo de exemplo para todos nós”, detalha o carnavalesco Jaime Cezário.

Inocentes de Belford Roxo: ‘O Frasco do Bandoleiro’

Consolidada na Série A depois de chegar a desfilar no Especial em 2013 a agremiação da Baixada Fluminense obteve a melhor colocação de sua história na gestão da Lierj. O carnavalesco Marcus Ferreira foi contratado e o enredo de cunho político teve pesquisa inicial do jornalista Daniel Targueta. O enredo inicialmente se chamava “Com a boca na botija”, e seria sobre tesouros escondidos no nordeste no século 17 e que faria link com o cenário político atual com uma pincelada de crítica social. O pesquisador deixou a escola maio e, em junho, o enredo foi mudado para “O Frasco do bandoleiro: um conto com a boca na botija”, sobre uma história de Lampião. A Inocentes será a última a desfilar na primeira noite de desfiles da Série A.

Cubango: ‘Igbá Cubango – a alma das coisas e a arte dos milagres’

A escola que foi a sensação da Série A no desfile de 2018 aposta novamente na dupla de carnavalescos revelação do último desfile. Com Gabriel Haddad e Leonardo Bora, a verde e branca vai fechar mais uma vez o desfile da Série A, o que já ocorreu em 2014 e 2016. A escola pretende mostrar “a alma das coisas” (título de um antigo programa da Rádio Nacional e de um livro que reúne estudos de antropologia e patrimônio, organizado por José Reginaldo Gonçalves, Roberta Guimarães e Nina Bitar) no desfile de 2019.

“Objetos de poder, objetos de devoção, objetos-dádivas, objetos que possuem alma e contam histórias, objetos de pedir e pagar, objetos que traduzem graças, objetos encantados, objetos-amuletos, objetos-relíquias, objetos que operam milagres – e que mentem milagres também. O Acadêmicos do Cubango pede a proteção de Babalotim, o “ídolo menino” que completa 40 anos, e agradece a São Lázaro, o padroeiro, pelo sonho vivido no último cortejo. Romeiro, cada sambista carrega consigo as suas obrigações. O que pretendemos contar são causos da religiosidade popular brasileira a partir da relação de cada sujeito com os seus objetos de culto. Somos devotos dos tambores ancestrais: rum, rumpi e lé. O desfile é o nosso ex-voto, o samba é a nossa graça. Porém é preciso cuidado com as promessas dos falsos profetas – novíssimos Reis da Vela com as suas coroas de lata, votos que perpetuam o medo e o preconceito”, diz Gabriel Haddad, um dos responsáveis pelo projeto cubanguense.

Estácio de Sá: ‘A fé que emerge das águas’

Depois de uma colocação (6º lugar) que não condiz com as tradições da Estácio, já que é uma agremiação que sempre é cotada para o acesso e já foi campeã do Grupo Especial, a vermelha e branca teve o seu enredo muito bem recebido pela opinião pública e crítica especializada. O leão pretende mostrar a devoção humana a partir da imagem do Cristo Negro de Portobelo, que foi encontrada no mar do Caribe entre os anos de 1800 e 1830.

“A Estácio de Sá, em 2019, pisará na Marquês de Sapucaí para contar uma história de fé e devoção. O Cristo negro de Portobelo, cidade do Panamá, é o epicentro de nosso enredo e nos mostra que a fé, como elemento cultural, é importante para um povo. Ela ajudou a reconstruir o país, através de um estreito canal, o qual hoje, é uma das principais janelas econômicas das Américas. “A fé que emerge das águas”, passeia pela cultura, pela história e pela capacidade de transformar cinzas em ouro e lágrimas em música. Vamos misturar salsa e samba, alegria com fé, pois é esta última que consolida a utopia. Iremos desaguar toda nossa devoção, garra e determinação no desfile da Estácio”, afirma o carnavalesco Tarcísio Zanon.

Império da Tijuca: ‘Império do Café, o Vale da Esperança’

Com recente passagem pelo Grupo Especial (2014) o morro da Formiga busca se reencontrar no acesso depois de seu polêmico rebaixamento na elite. A agremiação foge em 2019 da temática afro tão cara ao seu povo. O enredo é de autoria do diretor cultural Fernando Portugal. A agremiação será a 6ª a desfilar no sábado de Carnaval.

“O Império da Tijuca fará uma viagem através do tempo desde a chegada do negro escravizado ao Vale com seu sangue e suor a irrigar café, passando pelo surgimento da aristocracia cafeeira, sua arquitetura e costumes. A fé e o folclore resultante da miscigenação das raças com suas danças, músicas, artesanato. Até o Vale atual, progressista, com municípios de raríssima beleza, riquezas e que traz no sorriso de seu povo, o seu maior patrimônio, o amor”, explica o autor do enredo Fernando Portugal.

Alegria da Zona Sul: ‘Saravá, Umbanda!’

Com a melhor colocação de sua história em desfiles da Lierj a escola do Cantagalo e Pavão Pavãozinho mira a sua melhor colocação desde que passou a desfilar em 1993. Nos carnavais de 2005 e 2008 tirou em 5º lugar no acesso. Para isso novamente o enredo aborda a relação dos sambistas com a religião de matriz africana, a Umbanda. A vermelha e branca será a segunda a desfilar na primeira noite de desfiles.

“Através das palavras de um sábio Preto Velho, a Alegria da Zona Sul tem por objetivo fazer uma grande propagação de caridade, amor e fé na avenida em 2019”, resumiu o carnavalesco Marco Antonio Falheiros.

Renascer: ‘Dois de Fevereiro no Rio Vermelho’

Depois de figurar entre as escolas da elite no Carnaval 2012, a Renascer vem enfrentando diversos problemas para fazer seus carnavais. O mais recente e grave deles foi o incêndio que consumiu boa parte do barracão da escola antes do desfile deste ano. Novamente, a agremiação adotará a encomenda de samba-enredo para o seu enredo. A agremiação falará dos festejos realizados para Iemanjá que acontecem no bairro Rio Vermelho, em Salvador. A escola será a segunda a desfilar no sábado de carnaval.

“Em 2019, a Renascer de Jacarepaguá levará para a Avenida o enredo “Dois de fevereiro no Rio Vermelho”. O fio condutor do enredo será a chegada dos negros escravizados na Bahia, que em culto aos orixás reverenciavam a “Rainha do Mar”. O local tornou-se tradicional reduto de ex-escravos que tornaram-se pescadores após a abolição e transformaram a Casa do Peso – local onde eram conferidos os resultados da pesca – em um santuário de reverência à Iemanjá. A nossa expectativa é fazer de tudo para que a escola tenha uma posição melhor, na quarta-feira de cinzas. Faremos um bom desfile, apostaremos em materiais alternativos e teremos fantasias mais leves, o que vai fazer a comunidade se soltar ainda mais na Avenida”, diz Raphael Torres.

“A comunidade do largo do Tanque é maravilhosa e sempre nos abraçou. A nossa terceira temporada é o momento de galgar uma colocação melhor junto com eles e sempre com muita humildade. Eu costumo dizer que nós não somos carnavalescos, nós somos operários do carnaval, e eu acho que isso faz a diferença. Não tem como chegar numa agremiação e não se emocionar com o carinho que a gente recebe. Receber o cheiro de uma baiana, o carinho de um integrante de ala da comunidade querendo saber como será a fantasia é sensacional. Esse reconhecimento é muito importante para nós, artistas”, comenta o carnavalesco Alexandre Rangel.

Santa Cruz: Aposta na história da atriz Ruth de Souza

Última agremiação a definir o enredo para o carnaval do ano que vem, a Santa Cruz escolheu uma das figuras mais importantes da cultura e da negritude no país. A atriz Ruth de Souza, com personagens marcantes na TV e no cinema e uma rica atividade militante nos movimentos de valorização da raça negra. O carnavalesco Cahê Rodrigues regressou à agremiação e terá a missão de contar na avenida a trajetória de Ruth.

Rocinha: ‘Bananas para o Preconceito’

Com desempenho irregular desde seu retorno à Série A em 2016, a Rocinha viu a boa repercussão de seu desfile de 2017 virar novamente preocupação depois do carnaval deste ano. A borboleta encantada vai na “bola de segurança” em 2019 ao apostar em um enredo sobre o racismo, tema extremamente atual e pertinente. A tricolor será a terceira a desfilar sexta-feira de carnaval.

“Racismo é uma prisão onde mentes primitivas permanecem sem evolução. Rocinha, no carnaval 2019, promove uma irreverente bananosa contra qualquer forma de intolerância racial conclamando nossa aguerrida gente afro-brasileira para, através de atitudes afirmativas, manifestar sua valorosa identidade”, revela o carnavalesco Júnior Pernambucano.

Bangu: ‘Do ventre da terra, raízes para o mundo’

A vermelha e branca da Zona Oeste conseguiu se manter na Série A depois de ter sido campeã da Série B em 2017. O grande trunfo da agremiação para o ano que vem foi a contratação de Edson Pereira, o carnavalesco mais badalado do acesso devido aos excelentes trabalhos desenvolvidos na Unidos de Padre Miguel. Ele será consultor do carnavalesco Alex Oliveira. O enredo trará uma mensagem contra a fome e a miséria do nosso país, buscando um alerta social. A escola contará a história das raízes que alimentam o nosso povo e até hoje estão presentes à mesa, sua plantação e germinação. A escola abrirá a segunda noite de desfiles da Série A.

“Iremos retratar a nossa própria história, fazendo referência à batata, como símbolo de harmonia, comunhão, união e esperança. Afinal, versátil como alimento, útil como medicamento e mais 1001 utilidades. Na verdade somos nós, o próprio povo brasileiro”, compara o carnavalesco Alex de Oliveira.

Sossego: ‘Não se meta com a minha fé, acredito em quem quiser’

Beneficiada pela virada de mesa que evitou o seu rebaixamento à Série B em 2019, a escola do Largo da Batalha em Niterói buscou um enredo também de valorização e respeito às crenças de todos. A azul e branco encerrá os desfiles de sexta-feira.

“Nestes tempos sombrios, o Acadêmicos do Sossego levará para a Avenida sua mensagem contra a intolerância religiosa e um apelo para que nosso país volte a ser uma nação acolhedora de todas as crenças e para que o mundo jamais volte a matar em nome de Deus. Sob as bençãos de Jesus Malverde, cujos fiéis são tão injustamente criticados por manterem sua devoção, a escola mostrará que uma das grandes belezas da humanidade está na diversidade das suas religiões, nas diferentes formas de se comunicar com o divino, e também de se calar e nele não acreditar. Crentes ou ateus, nosso sangue tem a mesma cor, e navegamos juntos nesse barco que é a nossa Terra. A violência e a divisão nos destrói, mas a união e paz nos reconstrói. Axé para quem é de axé, amém para quem é de amém! Shalom! Salaam Aleikun”, define o comunicado anunciado pela escola para a apresentação do enredo.

Ponte: ‘Oferendas’

De volta ao Sambódromo depois de 12 anos a Unidos da Ponte vai abrir os desfiles da Série A em 2019 com um de seus sambas mais emblemáticos. A agremiação optou por reeditar o clássico desfile do carnaval de 1984, de autoria do compositor Jorginho. Apesar de acabar rebaixada do Grupo Especial (na ocasião Grupo 1A) o samba ficou para sempre marcado na história da escola. Será a volta das reedições ao grupo. A última havia sido no Carnaval 2014.

“O nosso mote é descrever as oferendas dos orixás. Vamos fazer isso esteticamente de uma forma bem didática, seguindo a proposta do samba. Um dos objetivos centrais do enredo é desconstruir todas as ideias do senso comum sobre as religiões de matriz africana. Podem esperar uma Ponte forte e aguerrida na avenida”, detalha Rodrigo Marques, um dos carnavalescos.

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