InícioSão PauloEspecial Barracão: Vai-Vai promete carnaval grandioso em comparação aos desfiles anteriores

Especial Barracão: Vai-Vai promete carnaval grandioso em comparação aos desfiles anteriores

A reportagem do site CARNAVALESCO visitou o barracão da maior detentora de títulos do carnaval paulistano. Almejando o 16° campeonato, a escola de samba Vai-Vai traz para o Sambódromo do Anhembi o enredo: “O Quilombo do Futuro”, um tema que busca contar a história do povo negro através de uma narrativa ficcional. O carnavalesco responsável por desenvolver a parte teórica do carnaval, Roberto Monteiro, explica detalhes.

“O enredo nasce da necessidade de descolonizar o pensamento que chamam de epistemicídio, que foi o roubo da narrativa histórica pela Europa. Chamo o nosso tema de histórico ficcional, por mais que tenha uma base histórica, a gente romanceia introduzindo um narrador. Temos uma estrutura narrativa que traz um astronauta griô, que é um viajante do tempo, e ele vai narrar para um menino do presente a trajetória do negro na terra. O enredo é cronológico e aponta para um futuro utópico. Ele tem um senso ético muito apurado. No início tinha uma sinopse pronta, só que a intenção era de transformar esse lugar não como um propositor isolado, ainda mais num tema no qual eu ‘branco’ não poderia arcar com toda a responsabilidade moral. A gente convidou o Altay Veloso, que fez uma sinopse brilhante”, conclui.

Estreante na agremiação da Saracura, Roberto revela que construiu todo o enredo através de uma única frase.

“Eu tenho uma namorada que faz parte do movimento negro, de alguma forma eu sempre estive próximo a essas idéias e li muitos filósofos negros, mas o enredo surgiu da frase ‘O Quilombo do Futuro’, isso é sonoro. Eu fui construindo isso na minha mente, aí quando o presidente perguntou se eu tinha algumas idéias, apresentei a proposta que tem uma compatibilidade com a escola, com a tradição que tem dentro desse segmento. A Saracura foi um quilombo, a escola vem nos últimos anos gravitando sobre temas ligados aos negros. Como eu não tinha nada escrito, eu virei a noite e montei o cronograma. Mas a construção ela é coletiva, eu passei mais de um mês na casa do Altay Veloso, bebendo whisky, conversando pra desenvolver a sinopse”, ressalta.

O carnavalesco destaca a narrativa e a construção da escola como um ponto diferencial do desfile e diz que a Vai-Vai entra pra buscar as notas. “Uma das coisas que tem uma densidade enorme é a narrativa, você não vai encontrar uma escultura porque achamos bonitinha, ela está ali por um significado profundo dentro do enredo. Vai ser muito claro, o passado, presente e o futuro terão uma leitura muito fácil. Temos níveis de conhecimento dentro do enredo que eles aplicam a necessidade de um espectador mediano, de um intelectual. Teremos coisas cênicas em alegorias, teremos teatralização em alguns pontos. A Vai-Vai entra na avenida de forma objetiva, para buscar as notas, sem excessos, com clareza. Teremos em cada setor elementos de comoção, vamos ativar o inconsciente coletivo através do emocional”.

A pesquisa sobre a história do negro precisou ser bem aprofundada e extensa. Em relação a pesquisa de elaboração da sinopse, Roberto cita a importância do povo africano na cultura mundial.

“O protagonismo do negro na criação de quase todo o legado humano foi o que mais me chamou a atenção. De acordo com as minhas leituras, a única coisa que a Europa inventou foi uma forma de dominar outros povos, porque todas as invenções humanas, todo o início do conhecimento humano provem e advêm da África. O sonho que eu tenho é de revisitar isso, a amplitude de coisas advindas da África é imensa”.

Encarregado pelos assuntos referentes ao barracão e ateliê, cumprindo a função prática do carnaval, o carnavalesco Hernane Siqueira acredita que o enredo carrega um alto nível de representatividade para a comunidade.

“A questão do enredo pra escola é como o amor de mãe para filho. Você começa a pegar a história dos princípios da cidade, os bairros do Bixiga, Bela-Vista e Liberdade, existia uma concentração muito grande de mercados de negros. Foi descoberto um cemitério que seria de uma região quilombola da cidade. Ali era também uma comunidade de negros, até começar a chegar a imigração dos italianos. O enredo para o componente nada mais é que a história da sua ancestralidade, e quando você traz o empoderamento do povo preto as pessoas se identificam. Hoje você tem a liberdade de usar uma roupa, um corte de cabelo sem que as pessoas te olhem atravessado, se tem um conceito ‘style’, que vem do que o Roberto falou, do afro futurismo. A mulher que mostrar o cabelo crespo. Não é por uma bandeira de ‘ser preto’, é simplesmente por ser uma bandeira de ser humano”, finaliza.

Vai-Vai terá nove bases de alegorias e 3.800 componentes

A agremiação da Saracura sempre traz carnavais grandiosos e com muitos componentes desfilando. Hernane compara o desfile com os anos anteriores e projeta carnaval ainda maior.

“O Vai-Vai sempre faz carnavais muito grandes, mas esse especialmente é maior. Com a chegada do Roberto o carnaval cresceu um pouco mais também, e isso já é uma tradição da atual gestão, essa coisa do gigantismo. O componente espera isso, se ele vê o carnaval pequeno ele fala que não é a escola dele”.

Perguntado sobre o tempo de desfile, que em São Paulo é no máximo 65 minutos, Hernane defende: “Então, é a maneira Vai-Vai de ser. Todo ano temos esse desafio, ‘como a gente passa na avenida’. É uma escola que já saiu com oito mil componentes. A Vai-Vai vem se preparando bem, temos harmonias, coordenação de harmonia e apoios de harmonias, um critério de organização, além dos chefes e apoios de alas que vem juntos. É uma comunicação muito grande pra alinhar o tempo de desfile”.

Em relação ao cronograma do barracão, Hernane comenta que pela dimensão da proposta o trabalho está bem adiantado.

“O carnaval do Vai-Vai tem um andamento criterioso, é um carnaval feito por muitas mãos. Se eu for colocar o carnaval do Vai-Vai em comparação as outras escolas, eu acho que a gente está muito adiantando, porque o nosso carnaval é muito maior do que todas fazem. A gente tem quatro bases de abre-alas, só isso já é um desfile. Se a gente colocar nesse parâmetro posso dizer que estamos muito bem”.

Escola tem atenção redobrada para não repetir pior colocação da história

O desfile de 2018 será apagado da memória de muitos sambistas que consideram a Vai-Vai como a escola do coração, isso porque a agremiação ficou em 10° em 2018, sendo a pior colocação da história.

“A escola está prestando atenção nos detalhes, estamos atentos para que não fique nenhum grão de erro. Nós já fizemos cinco revisões de alegorias, e queremos chegar no Anhembi com pelo menos umas seis revisões, fora as duas que são feitas pelos chefes de alegorias. A gente não vai deixar que nenhum espelhinho tire o nosso título”.

No último julgamento uma das justificativas apontou que um espelho de uma das alegorias estava caído, Roberto relembra episódio e faz uma crítica ao critério de avaliação de São Paulo.

“São Paulo tem um julgamento pragmático, eu nem acredito que as notas que se deram pra Vai-Vai seja algo que possa atribuir a responsabilidade pra escola. Por exemplo, a agremiação perdeu ponto porque tinha quatro dedos de espelho caído numa alegoria de quase duzentos metros (ironiza). O julgamento de São Paulo permite que escolas menores disputem com escolas maiores”.

Conheça o desfile

1° SETOR

“No primeiro setor vamos falar das glórias dos povos africanos. A gente fala sobre o legado da agricultura, da metarlurgia. Criamos critérios para que as isas não fiquem desamarradas. Cristalizamos os legados anteriores do Egito, que é o povo Akan, povo Dogon, povo do Male”.

2° SETOR

“Eu peguei a estrutura da tragédia que a gente conhece. Essas narrativas orais tem uma estrutura que a gente está muito acostumado a ver em novelas, principalmente, em filmes americanos, que chamamos de trajetória do herói. Temos uma estrutura estável, que é esse cenário das glórias, e a gente introduz a tragédia, a crise. É o setor do Maafa, que é o sinônimo para o holocausto negro, para a escravidão”.

3° SETOR

“A luta do negro é muito abrangente, vai do solo africano até o deslocamento para a diáspora. Como nesse setor só temos 5 alas, criamos uma linha para que cada uma se liguem, elas tem uma relação temática com a outra ala. A gente abre esse setor com a revolução do Haiti, a gente pegou o Caribe, América Central, América do Sul e o próprio solo. Vamos falar da revolta dos maleis. Nós tínhamos um cenário estável, introduzimos a crise, trazemos o herói lutando nas diásporas. E assim nós fazemos uma ponte para o presente”.

4° SETOR

“No presente nos falamos das lutas modernas do povo negro, que é o racismo estrutural. Um ponto alto é o black money, que é uma ideia de que o dinheiro gire entre os próprios negros”.

5° SETOR

“Aqui a gente faz um exercício utópico que brinca com o futuro, e esse apontamento é o cerne do nosso enredo, que está ligado com o tema astro futurístico. É como se a gente recobrasse o domínio tecnológico do inicio, como se a gente construísse um espiral de infinito que liga uma ponta do início com o do final. A gente revela o passado, ocupa o presente e projeta o futuro”.

Ficha Técnica
5 alegorias (9 bases)
26 alas
3.800 componentes

História Roberto Monteiro
“Tenho 25 anos de carnaval. Desenho nos bastidores para muitos nomes há muitos anos, como para o Joãosinho 30, Renato Lage, e de dois anos pra cá, comecei a produzir minhas próprias ideias. Esse ano o Vai-Vai entrou em contato comigo, perguntou se eu tinha alguma ideia, eu vinha maturando há dois anos esse enredo ‘O Quilombo do Futuro’. Calhoude encaixar no Vai-Vai, que é uma escola de raiz negra, uma escola que tem uma identidade com o tema muito profunda”.

História Hernane Siqueira
“Eu desde pequeno já era fascinado com escola de samba. O início foi no pavilhão de São Cristovão, de 90 para 91. Conheci algumas pessoas no carnaval, trabalhei no Salgueiro na parte de ateliê. Estou dentro do carnaval daqui de São Paulo desde 95, participei de um concurso de enredo no Rosas de Ouro, ganhei, mas o Raul Diniz que desenvolveu. Aí fui para o Tucuruvi, de 97 para 98, onde a gente falava sobre a pirataria. Eu segui os caminhos e fiquei com uma fama de ‘pé quente’, onde eu subia as escolas do Acesso para
o Grupo Especial, foram seis escolas sucessivamente. Fui para o Sul, fiz carnaval lá e voltei. Fiz Vila Maria, ficamos em 5° lugar e vim pro Vai-Vai em 2017 e estou aqui”.

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