InícioGrupo EspecialEstudo da sinopse: Salgueiro 2020

Estudo da sinopse: Salgueiro 2020

Nome do enredo: O rei negro do picadeiro
Nome do carnavalesco: Alex de Souza

Salgueiro: de Zumbi a Benjamin, a realeza negra no carnaval

O Salgueiro apresenta para o Carnaval de 2020 o enredo O rei negro do picadeiro, desenvolvido pelo carnavalesco Alex de Souza. A história de vida de Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço negro do Brasil, é contada da infância ao estrelato. Nascido em 1870, em Pará de Minas, filho de um capitão do mato e uma negra cativa, Benjamin, o Moleque Beijo, projetou na arte o passaporte para a liberdade de um futuro sem perspectivas e fugiu com a trupe de um circo para uma vida de acrobacias. No dia a dia circense, aprendeu a arte do salto, fundamental não apenas para suas apresentações, mas também para sua vida.

Contudo, a realidade tratou de esfacelar o mundo sonhado pelo menino. A vida no circo não foi fácil. Se a relação com Mestre Severino foi de muita aprendizagem, foi também de submissão a castigos corporais, causa de nova fuga. Foi, então, que suas habilidades artísticas despontaram tanto para lhe livrar de um fazendeiro quanto para assumir o papel de palhaço principal no Circo Frutuoso, quando nasceu o Benjamin artista. Em sua carreira no circo, apresentou-se para grandes plateias e até para Floriano Peixoto, o segundo presidente do Brasil. Circo, teatro, ópera, dança, música; o rei negro do picadeiro salgueirense foi um artista completo. Entre comédias e paródias, levou ao povo clássicos como Otelo, de Shakespeare, e O Guarani, de Carlos Gomes. Interpretou, inclusive, o primeiro Momo do Rio de Janeiro. Mesmo após a morte, sua história de pioneirismo é exemplo de resistência e inspiração para novos artistas negros que lutam por seu lugar.

A sinopse do enredo apresenta uma narrativa biográfica linear em primeira pessoa, ou seja, o próprio Benjamin é quem discorre sobre sua história seguindo a ordem cronológica dos acontecimentos. Essa característica empresta ao texto um tom passional, afetivo, de quem olha para a própria trajetória e reconhece as alegrias e dificuldades. Como explicitado no trecho: “Mas entre sonho e realidade, vida de “beijo” é difícil, é difícil como o quê… E de tanto apanhar, fugi de novo. Meu destino era fugir, destino de negro”. Da história de Benjamin de Oliveira o caráter de representatividade emerge como ponto central do enredo. No Brasil marcado pela cultura escravocrata que relega a negritude à subalternidade, seu legado é a abertura de um novo espaço para o povo negro, o espaço da arte. O texto traz ainda outros pontos interessantes que podem ser explorados no desenvolvimento do desfile: a cruel ironia do filho de um caçador de escravos fugidos que faz da fuga seu destino – e são três as ocasiões em que Benjamin foge no enredo –; a conturbada relação de pai e filho com Mestre Severino, dono do Circo Sotero, com quem foge aos doze anos e de quem adota o sobrenome Oliveira; o curioso anacronismo de sua relação com o carnaval ao interpretar Momo antes mesmo deste se tornar o rei da folia.

E qual outra agremiação contaria melhor uma história de representatividade negra? Em 1960, com Fernando Pamplona, o Salgueiro pela primeira vez deu ao negro o protagonismo da festa, rompendo com o quadradismo dos enredos sobre a história oficial e trazendo o Quilombo dos Palmares para a avenida. Desde então, a escola se notabilizou pelos enredos de temática afro, tornando esta uma característica identitária de sua comunidade. Assim, cantar Benjamin de Oliveira e exaltar o negro no campo das artes deixa o salgueirense à vontade. Sobretudo, por ainda se tratar de tema tão sensível. Mesmo 150 anos após o nascimento de Benjamin, o artista negro continua à margem nos principais palcos do país. Por exemplo, a escassez de protagonistas negros em novelas, o principal produto midiático nacional, é reflexo do racismo ainda enraizado na sociedade brasileira. O rei negro do picadeiro é, portanto, um grito de resistência, um eco de Quilombo dos Palmares que trouxe o primeiro título da academia.

Quanto à estética, é possível imaginar um desfile bastante heterogêneo a partir do deslocamento de espaços ocupados por Benjamin durante a vida. Da infância e dos primeiros passos no circo, pode-se conceber a recriação de um ambiente rural, de uma
trupe mambembe. Da vida adulta, ambientada na belle époque das grandes cidades, uma
forte influência europeia, nas curvas do art nouveau. De seu legado, que chega aos dias
atuais, toda forma de arte contemporânea.

No carnaval atual, que busca uma reaproximação de temas culturais, o enredo do Salgueiro acrescenta uma voz importante a esse coro, enaltecendo uma figura tão valiosa, mas que permanece esquecida pelo grande público. A vermelho e branco pretende transformar a passarela em picadeiro para exaltar o Moleque Beijo e todos os Benjamins, que, na esteira de seu pioneirismo, o sucederam nas artes brasileiras. Um feliz carnaval para a Academia do Samba e que os súditos sejam só aplausos para o rei ao final do espetáculo.

Autor: Renan Fernandes Gama Basilio
Jornalismo – UFRJ
Coordenador de planejamento financeiro
Leitor orientador: Max Fabiano Rodrigues de Oliveira
Doutorando em História – PPHR/UFRRJ
Instagram: observatoriodecarnaval_ufrj

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