InícioGrupo EspecialEstudo do enredo: Beija-Flor 2020

Estudo do enredo: Beija-Flor 2020

A poética dos caminhos como discurso do pertencimento nilopolitano

Enredo: Se essa rua fosse minha
Carnavalescos: Alexandre Louzada e Cid Carvalho

Para 2020, o Beija-Flor de Nilópolis, o azul e branco da Baixada, pretende, mais uma vez, transformar o sambódromo “num festival de prata”, como afirma um verso do seu samba-exaltação, e a “abrir caminhos” rumo a mais um título do Carnaval. Para tanto, a Beija-flor, com o enredo Se essa rua fosse minha, dos carnavalescos Alexandre Louzada e Cid Carvalho, parece apostar na poética dos caminhos, como ora percorridos por ela, como ora traçados pela humanidade e como ora ressignificados pela religiosidade, sem perder de vista características inerentes à agremiação.

Quando se discursa, no texto-mestre predominantemente descritivo, que o “o pássaro encantado é tão bem acostumado a beijar o chão que pisa (a Marquês de Sapucaí), duas seguintes características podem ser observadas: a primeira é a respeito de o beija-flor, que dá nome à agremiação e estampa o pavilhão dela, ser personificado, ou seja, ganhar traços humanos, tornando-se um andarilho; a segunda é a respeito de esse caminhante ser “tão bem acostumada” com a via que beija, ou seja, saber de cór sobre a rua em que se faz de carne e osso – no caso, a Marquês de Sapucaí, pista de desfiles das escolas de samba do carnaval carioca.

Não à toa se consegue depreender essa significação do texto-mestre: ora, a Beija-Flor é a maior campeã da Era Sambódromo, com 9 (nove) títulos (1998, 2003, 2004, 2005, 2007, 2008, 2011, 2015, 2018), a soberana da passarela. É, nesse sentido, que há a prosopopeia do beija-flor, o povo nilopolitano, como dono da rua em que desfila e, por tantas vezes, alcançou a glória, a apoteose. É como se, nesse momento, a agremiação da seguinte forma comunicasse: sou o Beija-Flor que escolheu a Marquês de Sapucaí para ser palco das minhas andanças, e a Sapucaí me escolheu para ser a escola mais vitoriosa nela. Há, portanto, a relação do pertencimento nilopolitano sendo autoafirmado no texto-mestre.

Dos caminhos traçados pela humanidade, por sua vez, os pensantes do enredo parecem os ter muito bem escolhido, também, para dialogar com a questão de como se veste o Beija-Flor. Quando “reinos de Âmbar, de Prata, de Ouro, da Seda” e “Eldorado”, por exemplo, são postos no texto-mestre como referências para criação de imagens, pressupõe-se que haverá, no desfile da azul e branca de Nilópolis, estética voltada à opulência, com alegorias e fantasias muito volumosas, brilhantes, feitas com esmero. Esses signos presente na sinopse, mais uma vez, não são por acaso, porque se vestir luxuosamente é uma característica recorrente da agremiação, sendo marca de quase todos os seus campeonatos, como o de 2007, com Áfricas: do berço real à corte brasiliana, e o de 2009, com No chuveiro da alegria, quem banha o corpo lava a alma na folia. Há, diante disso, que alguns caminhos  escolhidos para a construção da poética carnavalesca vão ao encontro do pertencer nilopolitano.

No que concerne dar à rua novos significados, o texto-mestre aponta, por exemplo, para a via como instrumento religioso, seja cristão, seja afro-brasileiro. Quando, por um lado, símbolos sacros do cristianismo são descritos na sinopse, como “andores”, “altares”, “Josés e Marias” e “romaria”, parece que haverá, no desfile, referências, por exemplo, à via crucis, caminho percorrido por Jesus, carregando a cruz do Pretório ao Calvário, e a festejos aos santos católicos, a exemplo do Círio de Nazaré, que ocorre nas ruas de alguns estados do Norte do país, principalmente no Pará, na capital Belém, em busca de uma graça divina ou agradecimento por ela ter alcançado. As descrições cristãs presentes no texto-mestre do Beija-Flor de Nilópolis dialoga também com a questão identitária da Escola, uma vez que remete à temática do carnaval de 2005, campeão, com O vento corta as terras dos pampas: em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani, sete povos, na fé e na dor, sete missões de amor. Quando, por outro lado, saúdam-se, no texto-mestre as entidades que fazem da rua moradia, nas encruzilhadas, principalmente, com “Laroyê!”, “Ina Mojubá”, palavras do tronco yorubá, é um pedido a Eshu, ciganas, pombas-gira e malandros, por exemplo, que guardem, abram e guiem o caminho o qual, mais uma vez, o Beija-Flor percorrerá: a Marquês de Sapucaí. As passagens do texto-mestre que se debruçam à afroreligiosidade vão ao encontro do que é ser Beija-Flor, porque remete direta à temática do carnaval de 1978, campeão, com “A criação do mundo na tradição nagô”, e indiretamente à temática do carnaval de 1989, vice-campeão, Ratos e Urubus, larguem a minha fantasia!, tendo em vista, por exemplo, o refrão do samba de enredo em que se saúda Eshu. O pertencimento nilopolitano, novamente, demonstra-se presente na poética dos caminhos.

O Beija-Flor de Nilópolis, portanto, a última a desfilar na segunda-feira de carnaval, encerrando os desfiles 2020 das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro, levará à rua Marquês de Sapucaí, na qual se fez soberana, outras ruas, caminhos, para atravessarem a passarela do samba e serem cortejo representadas nos figurinos dos desfilante e contempladas por quem aos desfiles assiste. As ruas gritam. As ruas têm vida, nomes. É o desbunde da confluência de ruas. É o povo em procissão, porque o Carnaval é o acontecimento religioso da raça. É o Beija-Flor comunicando, novamente, que o sambódromo é dele, que a Escola é a escolhida pela pista de desfiles para ser “um festival de prata” que o Beija-Flor, mais uma vez, desponte grandioso, com vontade de título, na rua que tantas vezes campeonatos conquistou, para desfilar, no sábado após o sábado das campeãs, na Mirandela, principal via de Nilópolis, rua que também é dele, com, talvez, o “caneco” na mão. Corre gira, que a(s) rua(s) é(são) do Beija-Flor!

Autora: Leslye Nascimento Gomes – [email protected]
Letras/Literaturas (Licenciatura) – Faculdade de Letras/UFRJ
Coordenadora de Ação Cultural/OBCAR
Leitor orientador: Mateus Almeida do Pranto – [email protected]
Letras/Literaturas (Licenciatura) – Faculdade de Letras/UFRJ
Coordenador de Projetos/OBCAR

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