InícioGrupo EspecialVila IsabelEstudo do enredo: Vila Isabel 2020

Estudo do enredo: Vila Isabel 2020

Unidos de Vila Isabel: Brincando de ser Gente Grande; A Esperança Brasília nos Braços de um jovem Curumim chamado Brasil

Enredo: Gigante pela Própria Natureza: Jaçanã e um índio chamado Brasil
Nome do Carnavalesco: Edson Pereira

A escola de samba Unidos de Vila Isabel trará para o ano de 2020 o enredo “Gigante pela Própria Natureza: Jaçanã e um indígena chamado Brasil”. Nele será apresentado uma nova leitura da capital federal, Brasília – Distrito Federal, feita pelo carnavalesco Edson Pereira em parceria com os antropólogos Clark Mangabeira e Victor Marques. O enredo surgiu de uma parceria entre a escola de samba e o governo do Distrito Federal, nos permitindo compreender que existiu cota de patrocínio para a realização do esperado carnaval da Vila Isabel, terceira colocada em 2019.

Entretanto, Brasília não será retratada pela agremiação com viés político, social ou cultural ao qual ela se tornou pertencente para a população, será apresentado para o povo do carnaval uma leitura do DF lúdico (análise minha). Trata-se de uma criação mitológica para apresentar a história do enredo. Analisando a escrita do texto, Edson Pereira e sua equipe construiu uma sinopse não tão comum para representar um enredo CEP (homenagens à cidades, Estados ou países), nele, o carnavalesco transporta Brasília, que por anos é representada pela alma política do país, para uma Brasília criança, narrativa metaforizada e transformadora. No texto somos teletransportados para uma aldeia aonde vive um pequeno indígena chamado Brasil que “pesca com vontade danada de gente grande”; que a partir de um sonho vindo de um belo cochilo em sua canoa, conhece uma jaçanã (ave) que lhe trás uma grande profecia, o menino Brasil terá uma irmãzinha, que será forte e carregará muita esperança para o povo brasileiro.

Como desenvolvimento do enredo podemos levantar diversas referências históricas e de personalidades importantes para a construção de Brasília. Em sua viagem nas asas da jaçanã, o menino Brasil sobrevoa diversas partes do grande mundo que o espera, conhecendo diversos povos que ali chegavam ou viviam. Podemos trazer como referência “os brancos de cabeça amarela”, como as grandes colônias de europeus que desembarcaram no Brasil com os seus gigantes navios em busca de riquezas. Outra
referência é o povo “preto que clamava igualdade e liberdade, que oravam aos seus
deuses”, como a grande população negra escravizada no período da colonização.

A narrativa nos mostra também a representação de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, duas grandes referências na construção arquitetônica de Brasília, como “pajés construtores”; que formaria as “duas asas unidas”. Novamente sobrevoando o mundo, o pequeno indígena junto a sua nova amiga jaçanã, conhece “gente suada do litoral”; que vivia “embebida nas cantorias e novas bossas”, fazendo referência aos cariocas que eram contemplados por ter o Rio de Janeiro como o DF. Notamos aí também uma alusão à Bossa Nova, identidade musical em evidência deste período. O texto mestre revela também embates políticos vividos na história, como a transportação do Distrito Federal, antes no estado do Rio de Janeiro, para um grande projeto criado por Juscelino Kubitschek, no atual território de Brasília.

Partindo para mais um voo, a grande ave levou o menino Brasil para conhecer mais uma gente que vivia naquela terra prometida, encontrando famílias que “padeciam no sol lascado de brasileiro de testas”. Tais famílias estão representando a grande população do nordeste do país que sobreviviam no severo sertão. Famílias que nunca perderam a fé em clamar por uma vida nova, um lugar novo e cheio de esperança.

Por ter uma escrita muito lúdica e proporcionar uma leitura muito leve, fácil de se compreender, podemos levantar e imaginar diversas formas de criação artística e seleção do que será apresentado nos seguimentos e alas da escola. O enredo proporciona uma pluralidade de possibilidades de trabalho com diferentes estéticas. Ao trabalhar o lado lúdico e mitológico dos indígenas, o enredo possibilita uma riqueza na estética “amazônica” por retratar floresta, fauna, rituais e lendas.

Podemos opinar também que a Vila não abandonará outros pontos importantes do enredo, onde é trabalhada a pluralidade cultural do país pelas diferentes regiões. Logo, podemos esperar um carnaval multi, no que diz respeito à arte estética. Podemos vislumbrar que os seguimentos e alas estarão representando os diversos lugares que o menino percorreu. Podemos esperar por alas representando essas localidades, identidades musicais e os grandes povos que estão amalgamados na construção do país e da esperançosa Brasília.

Diante de todos os pontos positivos, apresentamos uma consideração/contribuição: o escritor Daniel Mundukuru da etnia Mundukuru – doutor em educação – pede que façamos uma revisão do termo “índio” porque para ele a palavra “índio” entrou no imaginário e a palavra muda de conotação ao longo da história, e virou apelido. “Um apelido traz sempre um aspecto negativo e reforça algo ruim”, reforça. Daniel Munduruku explica que a palavra índio também tem uma conotação ideológica muito forte, e faz com que as pessoas liguem a aspectos ruins, como achar que índio é preguiçoso, selvagem, canibal ou atrasado. O autor indica que seja utilizado o termo “indígena” e pensamos que esta revisão também deveria ser alocada no texto final a ser entregue para os julgadores e para a grande mídia.

Consideração feita, podemos concluir nesta análise preliminar que o enredo “Gigante pela Própria Natureza: Jaçanã e um índio chamado Brasil“, se tornará mais um marco da safra de carnavais grandiosos da agremiação, transmitindo para o público um carnaval repleto de efeitos metafóricos que engloba, o mitológico e o folclórico, com muita riqueza de detalhes e produção. Consideramos que está fórmula de representação de enredos CEP mostra para os telespectadores que o carnaval explora diversas vertentes artísticas, tornando possível trabalhar temáticas por diversas possibilidades e formas, inclusive de uma forma lúdica, clara ao olhar, que chama o público para prestigiar este grande espetáculo.

Do Distrito Federal Carioca ao Distrito Federal Brasiliense vamos embarcar com
a Unidos de Vila Isabel.

Autor: Alvaro Jorge Santos de Carvalho – [email protected]
Pedagogia – Faculdade de Educação/UFRJ
Membro efetivo/OBCAR/UFRJ
Leitor Orientador: Tiago José Freitas Batista
Doutorando em Linguística/UFRJ
Doutorando em História da Arte/UERJ
Instagram: @observatoriodecarnaval_ufrj

 

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