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Gabriel Haddad e Leonardo Bora, carnavalescos da Grande Rio: ‘Não existe o ‘correto’ em arte’

Gabriel Haddad e Leonardo Bora formam a dupla de carnavalescos que está à frente do enredo da Acadêmicos do Grande Rio em 2020 que trará a figura de Joãozinho da Gomeia para a Avenida. Estreantes no Especial, ambos formam parte da nova onda de artistas que ocupam hoje um novo espaço no carnaval carioca, mudando as estéticas e propondo novas perspectivas para a festa. Mas a trajetória de trabalho deles não é nova, são mais de 10 anos atuando no meio carnavalesco, como contam sobre suas passagens pessoais e em dupla entre a Intendente Magalhães, o Grupo de Acesso e com a oportunidade em 2020 de estrear no Especial com a escola caxiense.

Vocês esperavam essa oportunidade no Especial tão rapidamente?

Gabriel Haddad: “Foi rápida mesmo pelo tempo em que fomos contratados, logo uma semana depois do carnaval, o que até nos deixou apreensivos, gerou uma expectativa muito grande. Mas não rápida se pensar na nossa trajetória carnavalesca em sentido amplo, porque começamos a trabalhar com carnaval em 2008, são 12 anos já atuando no meio, foram 4 anos na Intendente Magalhães, 2 anos na Mocidade Unida do Santa Marta já assinando como carnavalescos junto com o Léo, depois Acadêmicos do Sossego, Cubango, então foi um lastro que fomos produzindo ao longo desses anos. E eu também já trabalhei como assistente na Cidade do Samba, fui do Louzada e de outros, passei pela Portela, Mangueira, Mocidade, e até mesmo aqui na Grande Rio. Então isso gerou uma expectativa muito grande, principalmente pela escolha do enredo, para saber o que a gente iria conseguir produzir. E, bom, foi um enredo que já queríamos fazer e que tínhamos muita vontade de criar e isso foi nos deixando mais tranquilos”.

Como vocês visualizam a chegada de artistas tão engajados e jovens como vocês no carnaval?

Gabriel Haddad: “O carnaval é muito cíclico, a gente vê sempre esses ciclos acontecendo no meio. O pessoal têm chamado de renovação, mas é como eu estava falando, eu já fui assistente do Louzada e hoje eu “disputo” com ele, claro que só na Avenida. E essa disputa é um pouco esquisita, porque eu conheço muito do trabalho dele e do trabalho de outras pessoas, mas é algo natural do carnaval, essa secularidade, essas mudanças, o carnaval é feito disso. O João Vitor agora no Especial com a Tuiuti, o Jorge Silveira na São Clemente, eu e o Leonardo e outros carnavalescos mais jovens, esses que vem tentando fazer com que as escolas de samba voltem a se entender enquanto esse espaço cultural. Você vê, por exemplo, o enredo do Jorge esse ano na São Clemente ligado com as características da escola, o João trazendo a Tuiuti homenageando o seu padroeiro, a Grande Rio homenageando uma personalidade de Caxias, então eu acho que é uma tentativa que se começou dentre essas pessoas que chegaram agora no Grupo Especial, de buscar uma comunicação maior entre a comunidade e a escola de samba”.

Leonardo Bora: “O Gabriel até menciona “os que apareceram” mas às vezes a gente toma o Grupo Especial apenas enquanto vitrine, mas na verdade não são aparições, todos esses artistas possuem uma trajetória longa de vivências carnavalescas em sentido amplo e não apenas assinando carnavais, mas como assistentes e também como foliões, enquanto amantes dos festejos carnavalescos, dos desfiles das escolas de samba em sentido mais restrito. Essa bagagem é múltipla, cada artista possui uma com suas características, seus referenciais estéticos, suas linguagens narrativas, opções e vivências, e é isso que faz com que tenhamos uma grande expectativa. Proporciona também uma ‘cara’ diferente para esse carnaval de 2020, seguramente será um ano em que as escolas irão apresentar uma visualidade inusitada, esperamos pelo menos, visto não apenas o número de artistas estreantes nas escolas grandes mas também como essa “dança das cadeiras” daqueles que já ocupavam essa posição, que também foi grande”.

Todo artista que está começando procura um referencial estético? Vocês se inspiram em quem?

Leonardo Bora: “Nos entendemos enquanto artistas mediadores em trânsito, em diálogo permanente e que vamos construindo um sistema simbólico inclusivo, absorvente. Óbvio que existem referências que contribuem para a nossa formação como um todo, às vezes a gente fica muito preso ao universo do carnaval. As pessoas sempre nos perguntam o “em que carnavalesco vocês se inspiram?” até porque a autorreferência é inevitável, estamos trabalhando com uma linguagem que possui as suas especificidades e características. Então no meu caso é inevitável mencionar a Rosa Magalhães, enquanto narradora, que foi parte da minha pesquisa e que é algo em que eu venho desenvolvendo, é óbvio que a produção da Rosa enquanto narradora me interessa. Gabriel já mencionou o Alexandre Louzada, que ele trabalhou durante um bom tempo nas diferentes escolas em que passou, e é natural, a forma de pensar carnaval do Gabriel traz muitos dos ensinamentos que ele exercitou enquanto assistente do Louzada. Mas para além desses, podemos mencionar carnavalescos como Joãosinho Trinta, Renato Lage, Fernando Pinto, Arlindo Rodrigues, Oswaldo Jardim e muitos outros com os quais nós já trabalhamos. Existem artistas, em sentido amplo, que referenciam o nosso trabalho ano após ano, das artes plásticas, do teatro, do cinema, são inúmeras as referências”.

Mesmo antes de desfilar muitos já dizem que a Grande Rio esse ano resgatou seu DNA com o enredo e o samba escolhido. Vocês se consideram orgulhosos por isso?

Gabriel Haddad: “A escola está muito feliz, isso a gente consegue ver realmente nos ensaios. E essa é peça fundamental, uma escola de samba que tem um samba que agrada a comunidade, que tem sido considerado um dos melhores para o carnaval de 2020, eu acho que é algo que pode impulsionar a harmonia e outros setores do desfile. O samba, como a Rosa diz, é quase 60% de um desfile, o samba pode levar uma escola ao campeonato. E tudo isso tem feito com que os ensaios pulsem de maneira diferente”.

O que a Intendente Magalhães ensinou a vocês e pode ensinar a todos que por lá passaram e ainda vão passar?

Gabriel Haddad: “A Intendente é mesmo uma escola incrível, porque é onde você tem o mínimo de recursos mas o carnaval tem que ser entregue de qualquer forma. E lá a gente não tinha dinheiro para pagar a equipe de adereços, de alegorias, teve um ano na Santa Marta em que tivemos que fazer uma alegoria em 11 dias com toda a decoração, e éramos em quatro carnavalescos, eu, Leonardo, Rafael Gonçalves e Vitor Saraiva, então o trabalho era muito intenso e tínhamos que produzir muita coisa e isso acaba te dando uma visão muito grande do que é o carnaval das escolas de samba, do que é essa produção, claro que de maneira menor e reduzida, mas você consegue entender de fato como é que se dá essa produção. A Intendente é mesmo uma escola para quem tem interesse em trabalhar com carnaval, em participar como carnavalesco, pesquisador, claro que viemos de lá e a gente aconselha, é um espaço muito amplo para se exercitar a arte carnavalesca”.

Leonardo Bora: “A Intendente te obriga a exercitar a experimentação, então não é possível naquele contexto você seguir uma cartilha das coisas que são preestabelecidas ou consideradas ideais em um cenário das escolas de samba, a escala é outra e os recursos são outros, então lá é preciso experimentar o tempo todo. Com isso, perdemos um pouco do medo de fazer, ou muito, porque lá a gente faz praticamente tudo, acho que a única frente de trabalho pela qual nós não nos aventuramos foram as ferragens, a gente nunca soldou ferro mas em todas as outras como lidar com escultura, pintura, marcenaria, adereçaria em sentido amplo, forração, tudo isso nós já passamos. E isso fez com que possamos compreender o modo de produção dos outros profissionais que estão ali, e mais importante, a gente adquire esse senso do experimental, da prática, que é fundamental, que não é preso a uma receita. E chegamos no Especial com esse olhar não viciado e sem essa ilusão do ‘precisamos fazer dessa forma, porque é a correta’, não existe correção em arte, existe apenas uma receita a ser seguida, a gente gosta de misturar essa receita e criar algo diferente”.

Vocês acham que o papel do carnaval é mostrar e ensinar as pessoas que existiram histórias como a de Joãozinho da Gomeia?

Leonardo Bora: “É curioso porque às vezes eu mencionava isso, de dar visibilidade a figuras como o Joãozinho da Gomeia, e vários amigos me questionavam com o “dar visibilidade para quem?” porque entre o povo de axé, Joãozinho da Gomeia é uma celebridade, uma figura muitas vezes criticada, polêmica. E o nosso intuito é dar visibilidade para um grande público que muitas vezes tende a ignorar ou menosprezar personalidades ligadas ao nosso panteão afro-ameríndio. E até porque nós estamos trabalhamos com uma figura que, segundo os levantamentos realizados, muito das pesquisas do Vinícius Natal que nos acompanha na feitura desse enredo com a biblioteca digital, a nacional e nos arquivos da imprensa, no ano 1969, por exemplo, Joãozinho da Gomeia aparece mais de 250 vezes em diferentes matérias naquele ano, claro que em determinados períodos mais, como na época de carnaval porque ele desfilava em diversas escolas e participava dos bailes, mas essa quantidade em uma época em que não havia internet ou redes sociais e a tv ainda estava engatinhando no Brasil, é muita coisa, ele era mesmo uma celebridade. Determinados veículos da imprensa acompanhavam cada passo dele, o enterro foi um mega acontecimento e que está fixado na memória coletiva da cidade de Caxias, sendo amplamente noticiado por toda a imprensa televisiva, radiofônica e escrita no Brasil. É mesmo uma grande celebridade, mediador cultural e artista que não está no panteão da glória perante muitas pessoas, que ainda perguntam ‘quem foi Joãozinho?’ então o carnaval tem esse papel social, de olhar para figuras apagadas, que passaram por uma espécie de apagamento histórico que está diretamente relacionado ao racismo, a homofobia, ao preconceito que permanece infelizmente agindo contra as religiões de matriz africana. Então o enredo da Grande Rio, nesse sentido, presta esse serviço que é jogar as luzes para essa figura, figura que já é iluminada por muita gente e que continua sendo celebrada e vivenciada e que está presente na memória viva de milhares de pessoas, mas que em outras esferas acaba um pouco sendo esquecida. E a gente espera que todo mundo passe a conhecer Joãozinho da Gomeia e que ele entre em definitivo para o panteão dos grandes personagens carnavalescos da história do Brasil”.

O que vocês preferem, enredos politizados e com mensagens importantes ou apenas entretenimento e show?

Leonardo Bora: “O carnaval sempre viveu esse dilema, na década de 30 já se tinha essa discussão entre as escolas, no caso por exemplo da escola Vizinha Faladeira que naquela época apresentava desfiles mais espetacularizados e outras que eram mais escolas de raiz, de resistência, que respeitavam o samba original, então essa é uma discussão que já tem 100 anos. O desfile das escolas de samba é completo porque ele é isso, uma mistura de facetas, é um espetáculo audiovisual que é comercializado e vendido para o mundo todo, pode ser um ato político e o é por si só, é uma festa popular, então dentro desse grande campo a gente prefere abraçar a ideia, que foi até defendida pelo Gabriel na dissertação de mestrado dele, que é uma grande obra de arte e que a nós compete uma direção artística dessa grande obra, que se transforma em grande ato poético. A gente transita sempre nessa intercessão entre a poética e a política, uma figura como Joãozinho da Gomeia é política por excelência em sentido estrito porque dialogou intimamente com os presidentes da república, o alto escalão do governo federal, como Getúlio Vargas, JK e para além disso foi um grande agente comunitário que transitou pelos mais variados espaços e na contemporaneidade adquire um viés político ainda mais intenso porque é uma figura síntese da luta contra o racismo religioso, a intolerância religiosa, contra a homofobia. E isso tudo vai receber no nosso desfile uma roupagem profundamente poética e acredito que é isso que vai tocar o coração de cada desfilante da Grande Rio e a gente espera que de cada espectador e jurado também”.

Vocês se consideram responsáveis pelo samba da Grande Rio ser considerado o melhor do carnaval?

Leonardo Bora: “É um conjunto de fatores, o enredo foi pensado coletivamente a partir de inúmeras reuniões e diálogos, amplas e longas discussões entre eu, Gabriel, Vinícius e outros agentes que nos visitaram no barracão. Então esse enredo possui inúmeros fios narrativos e caminhos possíveis, gerou um grande samba entre outros grande sambas também, já que foi uma safra extraordinária que a nossa escola teve. Esse samba apresenta uma leitura poética entre muitas, assim como o nosso enredo, a gente não pretende fechar uma leitura sobre quem foi ou quem é Joãozinho da Gomeia e essa é uma construção coletiva. Nada adianta o nosso trabalho sem o trabalho dos compositores, dos adereçistas, ferreiros, carpinteiros, escultores, costureiras e costureiros e de tanta gente que está dia e noite se dedicando a feitura desse carnaval”.

Como conciliar os pedidos de vagas para famosos e musas na escola? Vocês acham que a escola sofre preconceito por conta disso?

Gabriel Haddad: “Na verdade essa é uma parte do desfile em que a gente não se prende muito, pensamos mesmo no desenvolvimento do enredo e das fantasias para apresentar todas as nossas referências visuais. Por exemplo, na nossa última alegoria a gente traz personalidades negras e personalidades que lutam pela liberdade religiosa, como Conceição Evaristo, Frei David, Frei Tatá, Padre Gegê, Mônica Francisco, Mãe Meninazinha d’Oxum, são famosos que representam o nosso enredo e de certa forma a gente consegue inserir essas pessoas no desfile. Mas em relação as vagas de musa, vaga em alegorias isso a gente não trata muito e fica mais a cargo do diretor de destaques e dos presidentes da escola”.

Leonardo Bora: “No caso específico da Grande Rio existe um fator interessante, porque é a escola ideal para se tratar de uma personalidade tão importante para memória de Duque de Caxias, que é Joãozinho da Gomeia. Na época em que ele viveu a escola ainda não havia sido fundada, mas, caso contrário, ele seguramente desfilaria e participaria ativamente da Grande Rio, principalmente pelas cores da escola que são as mesmas do caboclo da Pedra Preta. E era uma personalidade midiática e que recebia em seu terreiro todos os artistas da cena brasileira, do teatro, da tv, do cinema, do rádio, cineastas estrangeiros e ao mesmo tempo em que recebia a intelectualidade francesa e embaixadores. Então é uma figura de uma complexidade grande e uma escola de samba acaba sendo isso, todas as escolas têm os seus famosos que desfilam e tem a sua base comunitária, que são mais de 3500 pessoas se você pensar só no corpo do desfile. A gente sempre direciona esse olhar para essa comunidade, que está cantando o samba a plenos pulmões na quadra, nas ruas de Caxias, nessas inúmeras pessoas que vão participar do desfile e que o guardam na memória. E acredito que é esse conjunto, de visões, fatores e sistemas que vai resultar nesse grande desfile”.

O que vocês têm a dizer para a comunidade de Caxias?

Gabriel Haddad: “O recado que a gente gostaria de deixar é mesmo para que todos continuem cantando, vibrando como já estão com o enredo e o samba, continuem participando dos ensaios que tem sido muito cheios, tanto os de rua como os de quadra. E que se empolguem cada vez mais com o nosso desfile, porque estamos preparando um grande carnaval para a Grande Rio”.

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