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Ilustre Bamba: ‘No fio da navalha, histórias a contrapelo de um historiador das macumbas e brasilidades’

Vivenciando, se inspirando e difundindo as culturas de rua, Simas tece tramas e historietas que evidenciam ruas, vielas, esquinas e encruzilhadas cariocas como espaços pujantes de sociabilidades

O aceno feito pelo talentoso amigo, criador desta série de imagens que ilustra bambas do carnaval, me alcança oferecendo sensações distintas: sinto-me honrado e, ao mesmo tempo, experimento o peso da responsabilidade ao ser convidado para escrever sobre alguém que tem como uma de suas virtudes a escrita. Como escrever sobre quem escreve tão bem? Como apresentar uma pessoa que é lida, conhecida e referência para tantas outras?

Sem saber por onde começar busco inspiração em uma de suas paixões: o carnaval. E nos enredos que o levaram a escrever um livro sobre esses temas que as escolas de samba, mobilizadoras de seus afetos, desfilam na Sapucaí. Também me valho dos escritos do próprio autor para escapar dos rigores e me permitir começar o texto a partir de histórias de pessoas ordinárias e comuns.

Uma delas, minha mãe. A outra, eu mesmo. Minha mãe, durante quatro décadas, foi cliente assídua do seu Zair. O cabelereiro, pai de Luiz, foi o responsável por cortar meus cabelos pela primeira vez. E assim, através de tesouras, pentes e navalhas, algumas histórias foram sendo enredadas…

Luiz, agora conhecido pelos demais nomes que compõem a sonoridade da tríade, Antônio Simas, não seguiu o ofício do pai. Mas parece ter herdado seu talento de fazer a cabeça das pessoas. Lava documentos da história oficial para revelar muito do que foi apagado, recorta temas que permaneciam invisibilizados, escova a história a contrapelo e raspa a superfície para acessar a raiz de fios que contam outras histórias. Simas é uma das vozes e mentes mais profícuas nos estudos das culturas populares e das brasilidades.

Imprevisibilidades e caminhos alternativos constituem os modos de ser e produzir do boêmio que acorda às 4h da manhã pra ler, estudar e escrever. E se apresentam como fragmentos de um mosaico multifacetado, composto por pedrinhas miudinhas, que compõem Luiz Antônio Simas. Vivenciando, se inspirando e difundindo as culturas de rua, Simas tece tramas e historietas que evidenciam ruas, vielas, esquinas e encruzilhadas cariocas como espaços pujantes de sociabilidades. Atuando na fresta entre defensor e promotor das ricas miudezas do cotidinao, ginga entre a função de guarda-copos e atacante de petiscos, enquanto experimenta e promove a potente dinâmica de botequins, estádios de futebol, e outros redutos da boemia, formulando exusíacas maneiras de interpretar as ruas, as gentes e os brasis.

Quando investe na pequenez dos relatos, revela crônicas desfiadas a partir da notação e reflexão sobre o cotidiano de nossa cidade e sociedade. Assim, alumeia nossas potências, valências, tensões e contradições. Como bom botafoguense e imperiano, encarna as (im)possibilidades e mandingas que fazem do Rio uma cidade mais que maravilhosa…

Simas conta, canta e encanta a cidade dos seus sonhos. Imagina, e desse modo cria, realidades fantásticas e fantasias reais sobre o que fomos e vivemos. Sobre aquilo que achamos ser e viver. E, através de seus livros, posts, palestras, composições, músicas e aulas, descortina horizontes de poesia popular onde podemos habitar para escapar da realidade que tantas vezes nos assombra.

Assombração.
Deslumbramento.

Simas mergulha, raspa o fundo do tacho, e retorna à superfície do nosso convívio para levar adiante seu propósito de mostrar a riqueza, a beleza e a natureza do conjunto de Brasilidades que existem no Brasil. E que vão além de seus limites territoriais, das efemérides contadas a seu respeito e da história oficial que nos é ensinada. Dadivosos e diligentes, seus volteios ao passado, enxergando-o não como dado imutável, mas como um campo (aberto e incessantemente tensionado) de possibilidades e de lutas, se oferecem como a dança de um mestre-sala na Avenida.

Algumas dessas refregas envolvem a reconstrução do passado que efetivamente se realizou. Outras, com um passado que (se) esqueceu – ou foi impedido – de acontecer. Suas obras, porém, nos engancham às suas narrativas pela sensibilidade de unir o que aconteceu com o que poderia ter acontecido, tornando-nos, a todos, protagonistas do Brasil que nele mora.

Simas, a cada arrazoado, vai reivindicando seu lugar como imortal encantado na ABL: Ajuntamento de Brasilidades Libertadoras. Brasilidades as quais, uma vez (re)conhecidas, nos oferecem oportunidades – e diversos convites – para escaparmos dessa forma binária, limitadora, desencantada e desinteressante de ver e viver o mundo. Ao escovar a história a contrapelo descobriu, não apenas, um modo de ressignificar a profissão do pai, como celebrar aquele que homenageou ao batizar seu filho, Benjamim: encontrou uma maneira de realizar a empreitada de modo exusíaco, ou seja, sinuoso, oblíquo, imprevisível, como um drible dado por pernas tortas e dançantes carregando um místico 7 às costas.

O retorno ao passado com olhar de estrangeiro, desconfiado, ainda que encantado com o imprevisível e com o quê, de tão pequeno, sequer é notado, permite ao autor identificar fragmentos de memórias, vestígios de acontecimentos e mosaicos cujas peças apresentam dores, delícias e toda sorte de lutas e aventuras de indivíduos e sociedades que foram negligenciados, esquecidos, silenciados, invisibilizados ou retirados da história.

Ao escapar das armadilhas da ciência racionalizante; iluminista, positivista, hegemônica, que a tudo e a todos lança seu infinito facho de luz, Simas se deixa guiar pelo fulgor de pedras miúdas. E é pela luz (e pelas sombras que deixam naquilo que o farol-sol da ciência cega, oblitera e agride) que ele vai (re)conhecendo e (en)cantando o mundo que insiste em nos apresentar.

Desarrumando as pedras do caminho, desalojando-as da formalidade e rigidez dos conceitos nos quais campeiam empistemes caravélicas e colonizadoras, o historiador das macumbas rearranja cada uma delas, alumiando as pequeninas, para que estas revelem a imensidão da alma, dos desejos e das potências dos pequenos: dos excluídos, dos boêmios, dos marginalizados, periféricos, invisibilizados, perseguidos, ignorados ou subestimados. Todas e todos que aqui, nessa encruzilhada chamada Brasil, vieram habitar.

Esse caminho tortuoso, construído na ginga de suas músicas, no drible de palavras que desorientam a marcação do cânone ocidental, na dança emergente pela sonoridade de seus poemas, permite que ele nos ofereça a ampliação dos horizontes futuros para a (re)construção de nossas existências enquanto cidade e sociedade. Agindo no presente, nos deixa de presente a oportunidade de assistir e participar da edificação de seu legado, que é nosso: Simas é um corpo encantado na/da cidade do Rio de Janeiro, vagando por suas praças, bares, botecos, escolas (de samba) e terreiros.

Diferentes linguagens encruzadas para revelar um professor de chão de sala de aula. Amante das ruas, do futebol, do carnaval, dos rituais e do samba. Alguém que pratica, vive, conta e encanta a sua cidade como terreiro em cada post, em cada composição, em cada conto, relato e livro. Um sujeito bom de copo e de papo, há anos integrante de um estandarte de ouro que reluz o que há de mais original e popular em nosso país. Um apaixonado pela vida que vibra e pulsa, alvinegra e alviverde, como suas paixões.

Vibremos juntos…
Salve, Simas!

Cássio Novo: Geógrafo, Doutor em Geografia, Cultura e Natureza, Mestre em Geografia Humana e Especialista em Análise Ambiental e Gestão do Território

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