InícioGrupo EspecialLeonardo Antan: 'Balanço final de 2022 - Como os enredos foram julgados'

Leonardo Antan: ‘Balanço final de 2022 – Como os enredos foram julgados’

'Para vencer a folia carioca hoje, é necessário força em seu discurso. A vitória da Grande Rio, em sua ousadia, reafirma esse novo frescor'

O carnaval de 2022 foi atípico em muitos sentidos. Passada, finalmente, a folia é tempo de reavaliar e apontar tudo que deu certo ou errado no nosso esperado retorno à Sapucaí. Em tempo de maturação maior entre as folia de 2020 e 2022, tivemos uma discussão mais aprofundada dos enredos que seriam apresentados pelas agremiações do Especial carioca.

Antes do último abril, escrevi aqui para o CARNAVALESCO que o que conduzia, para mim, a maioria das narrativas era uma sensação de orgulho e valorização das próprias agremiações. Apesar da notável presença de muitas narrativas entendidas como “afro”, em uma denominação pra lá de genérica, havia um fio que costurava uma auto-exaltação das próprias escolas em seus desenvolvimentos. Um recurso belo e necessário, se não soar gratuito.

Fotos de Allan Duffes/Site CARNAVALESCO

Muito se comentou que havia uma boa safra de enredos, porém é bem verdade que muitos desenvolvimentos deixaram a desejar durante sua passagem na Avenida. Por isso, é válido esperar o cortejo oficial para manter o martelo sobre o que de fato concerne o “enredo” de uma agremiação. Pois por mais que tenhamos noção da ideia a ser desenvolvida, é apenas na pista que tudo se realiza completamente. Um desfile de escola de samba só acontece ali, no conjunto e na força das energias de alas e alegorias em conjunto. Muitas ideias que tinham ótimas premissas podem ser mal desenvolvidas, ou vice-versa.

Partindo da leitura atenta do livro Abre-alas de cada agremiação, temos um vislumbre detalhado dos desenvolvimentos dos temas, a partir de sua setorização, sinopse, justificativa e setorização. Usando ainda como régua o julgamento do quesito, tivemos no geral uma boa avaliação de “Enredos”, mesmo com notas que possam ser questionadas relativamente. Parando para ler as justificativas, a maioria dos membros do júri, nesse quesito, tiveram avaliações coerentes e bem amarradas. A exceção foi o jurado da última cabine, que apenas distribuiu notas dez para onze agremiações, penalizando com apenas um 9,7 a São Clemente.

Justamente, a escola que mais perdeu em enredo, somou apenas 29,8 pontos no quesito, fora os descartes. De fato, a preto e amarelo possuía a narrativa mais frágil do Grupo Especial em 2022. Noves fora a pertinência e a importância da homenagem a Paulo Gustavo, a forma como o enredo foi desenvolvido deixou bastante a desejar. No geral, o júri apontou a falta de coerência e de criatividade no desenrolar da narrativa, assim como problemas na amarração dos setores. A repetição da personagem Dona Hermínia em diversos momentos da apresentação (comissão, segunda alegoria e bateria) foi outro ponto bem percebido e despontuado. Além disso, mais de um julgador criticou o uso de legendas e de siglas mal explicadas nas alegorias e fantasias.

O segundo enredo que mais perdeu décimos foi o do Paraíso do Tuiuti. A proposta do carnavalesco Paulo Barros de exaltar a cultura negra acabou se tornando uma “lista de chamada” de personalidades negras, relacionando-os com os orixás. Com isso, pecando bastante assim na originalidade e coesão do enredo. No desfile, houve ainda um excesso no desenvolvimento plástico: cada ala possuía a presença de um componente representando literalmente a figura homenageada e um adereço que trazia uma foto do mesmo, sem contar ainda com a própria fantasia da ala. O exagero dessa necessidade de “legenda” foi corretamente descontado algumas vezes pelos jurados. Outro “erro” que também valeu preciosos décimos foi a presença de uma ala em homenagem a uma enxadrista num setor que era dedicado às ciências. Por fim, a coesão do último setor e seus elementos também marcaram um desenvolvimento bem além do esperado.

Foto: Site CARNAVALESCO

Outro enredo muito penalizado foi a homenagem tripla da Mangueira aos seus grandes artistas. Apesar de ser um dos principais narradores da festa recentemente, a proposta de Leandro Vieira não agradou o júri e recebeu quatro notas 9,8. Três dos cinco avaliadores sentiram falta de uma conclusão ou desfecho na narrativa, após um setor para cada homenageado. Para outros, faltou também um aprofundamento no desenvolvimento e houve pesos diferentes na condução da forma que as biografias foram abordadas. Por exemplo, uma das justificativas apontou o fato da infância de Jamelão ter sido lembrada, enquanto não houve o mesmo com Cartola e Delegado. Um desacerto veio de um dos julgadores pontuou que faltou registar o legado dos artistas homenageados, como foi proposto no enredo, mas que estava claro em alguns momentos da narrativa.

Logo após, tanto Salgueiro e Tijuca acumularam a mesma soma de pontos: 29,7 (com os descartes). No caso da Academia, a agremiação realmente tinha uma boa premissa de enredo, mas que deixou a desejar em alguns aspectos de sua condução. Para uma das avaliadoras, faltou a maior presença do fio condutor que era a ideia de territorialidade, presente, segundo ela, em apenas dois momentos da setorização. A proximidade visual entre as alas “Capoeira” e “Bloco Afro” também foi observada por mais de um jurado. No geral, a falta de criatividade e “carnavalização” foram outros motivos de descontos de décimos.

Terminando com a mesma pontuação, a Tijuca foi julgada com um rigor acima da média, mas com um enredo bem mais redondo que o da Academia. Com uma apresentação bastante criativa e ousada, a escola acabou não agradando o júri. As justificativas para tantos decréscimos passaram por um problema conceitual até bem observado no uso cromático do azul, mas uma justificativa menos pertinente que apontou o último setor, em referências às religiões afro-brasileiras, como um problema na amarração do enredo.

A Mocidade foi descontada em dois décimos, nos dois casos foi apontado uma questão cronológica na narrativa, pois as alas que faziam referência a Umbanda estavam posicionadas antes das que traziam o Candomblé. A Imperatriz deixou pelo caminho apenas um décimo, mas foi desapontada duas vezes, tendo uma das notas descartadas. Uma das justificativas apontam uma incoerência no terceiro setor do desfile e outra despontou pela falta de criatividade e a última alegoria. Quem também perdeu apenas um décimo, mas, nesse caso, acabou sendo beneficiada foi a Vila Isabel. O desenvolvimento da homenagem a Martinho da Vila apresentava diversas incoerências narrativas que não foram observadas, como a falta de coesão e algumas quebras no desenvolvimento entre os setores. Para dar um exemplo, uma ala que marcava chegada do música ao bairro de Vila Isabel já adulto, estava a frente da segunda alegoria, lembrando a sua infância na cidade de Duas Barras. Um revés na narrativa cronológica proposta.

Por fim, quatro escolas fecharam a conta com três notas máximas: Viradouro, Portela, Grande Rio e Beija-Flor. De fato, trata-se de algumas das narrativas mais fundamentadas do ano em diferentes aspectos. No caso da vermelho e branco, uma pesquisa histórica muito bem defendida e apresentada no Abre-alas. Vigor de texto e aprofundamento também presente nas escolas da Baixada. A Beija-Flor fez um importante passeio sobre a cultura negra, a partir de teóricos negros e revelou nomes fundamentais da nossa cultura. Já a campeã, mergulhou intensamente numa narrativa cíclica e densa sobre Exu, abrindo chaves interpretativas diversas.

Nos três casos, a figura de pesquisador e enredista para dar corpo e densidade aos temas e na feitura do livro Abre-Alas foi fundamental. É um personagem cada vez mais central na construção de um bom enredo, ainda mais quando trazem pertinência ao tema desenvolvido. Talvez tenha sido uma falta sentida na quarta agremiação a fechar as notas máximas, a Portela. O enredo sobre a diáspora africana, centrado na figura do Baobá, se mostrou na Avenida pouco inspirado e genérico. Apesar de bem defendindo, que pode justificar a falta de perda de pontos, algumas alas desfilavam apenas representações de orixás sem maior amarração. Em meio a tantos enredos que repensaram o termo “afro”, a azul e branco seguiu um caminho mais tradicional e pecou na falta de ousadia, com representações já saturadas sobre o tema.

Fechando a conta, felizmente, os enredos e os discursos apresentados na Avenida voltaram a ser centrais. Nada de temas patrocinados poucos pertinentes, isso ficou para trás. Para vencer a folia carioca hoje, é necessário força em seu discurso. A vitória da Grande Rio, em sua ousadia, reafirma esse novo frescor. Visualmente e narrativamente, vimos uma escola conectada a seu tempo, que apostou na força da linguagem carnavalesca e toda sua potência.

Axé! Que boas narrativas nos aguardem em 2023!

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