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Mangueira ‘reescreve’ história do Brasil em desfile transgressor e entra na briga pelo título de 2019

Por Guilherme Ayupp. Fotos: Allan Duffes e Magaiver Fernandes

Com o lugar de fala de quem carrega uma comunidade de milhares de pessoas, a Estação Primeira de Mangueira escreveu na madrugada desta terça-feira de carnaval uma página fundamental na história dos desfiles de escola de samba e dela própria. Cumprindo o papel fundamental de gerar no público o senso crítico e contestador, a escola fez uma apresentação arrebatadora e entrou na disputa pelo título do carnaval. A partir deste 05 de março de 2019 não será mais possível contar a história da Mangueira sem passar pelo desfile de hoje. A verde e rosa precisou de 71 minutos para apresentar o enredo ‘História para ninar gente grande’. A Estação Primeira foi a sexta a desfilar na segunda noite de apresentações do Grupo Especial.

Comissão de Frente

Para recontar a história do Brasil a Mangueira iniciou seu desfile com uma apresentação de comissão de frente que foi capaz de sintetizar o enredo e causar no público a reação desejada com esse desfile: a contestação. Em um primeiro momento os heróis consagrados das páginas oficiais de história apareciam dentro de um tripé, emoldurados. No chão índios e negros realizavam uma coreografia.

Na segunda parte os personagens desconhecidos arrancam os heróis das molduras e estes são representados como anões. Os novos heróis então rasgam a página de um livro de história. Nesse momento surge a jovem Cacá Nascimento, cantora mirim que ganhou notoriedade ao gravar o samba da escola na versão concorrente. Ela ergueu uma faixa com escrita ‘Presente’ em clara alusão ao assassinato da vereadora Marielle Franco. Princesa Isabel, o bandeirante Domingos Jorge Velho, o Marechal Deodoro da Fonseca, o imperador D. Pedro I, o missionário José de Anchieta e o “descobridor” Pedro Álvares Cabral se “desmolduraram” para revelar o tamanho da grandeza de seus “feitos”. No “avesso deste lugar”, registrou-se a grandeza de negros e índios que ficaram à sombra destes, resguardando a importância deles para as futuras gerações.

Mestre-Sala e Porta-Bandeira

Matheus Olivério e Squel apresentaram-se de acordo com a estética indígena que dá o tom da abertura do desfile proposto pela agremiação. Ambos apresentaram versão carnavalesca que sugeriu a figura indígena em releitura adequada à tradicional indumentária dos casais que defendem os pavilhões das agremiações nos desfiles das escolas cariocas.

Estiveram inseridos em um contexto de valorização heroica e construção épica do índio brasileiro na fase anterior à chegada de Cabral ao território nacional. Como um xamã, num ritual mágico e sagrado, a porta-bandeira e seu pavilhão mantém um forte laço como se fosse um só. Cortejado, festejado e protegido pelo mestre-sala, que defende com maestria a altivez da ancestralidade “de sua tribo”, reluz o pavilhão da Estação Primeira em meio a abertura do desfile. O casal deve repetir na apuração o desempenho dos dois últimos carnavais e conseguir os 40 pontos, depois de mais uma apresentação muito marcante e sem falhas.

Harmonia

Se ainda havia alguém ressabiado com relação à harmonia da Mangueira, essa desconfiança foi triturada por um canto avassalador da comunidade verde e rosa. Alas que passaram berrando o samba em todos os setores da escola. Incluindo alguns componentes que não conseguiram conter a emoção com a história sendo escrita diante dos seus olhos.

Samba-Enredo

Um dos sambas mais aclamados do ano se provou na avenida capaz de ser o representante desse desfile da Mangueira. Nenhum outro poderia ser cantado nesse desfile. Só tinha esse. A obra conduziu excelentes harmonia e evolução e teve excelente auxílio luxuoso do intérprete Marquinhos Art’Samba.

Evolução

Técnica de desfile sem qualquer problema. Não deixou buracos, não precisou acelerar ou reduzir o andamento. Alas que passaram se movimentando muito, preenchendo toda a pista e sem embolar umas nas outras. Uma evolução perfeita no desfile da Mangueira.

Enredo

Leandro Vieira mais uma vez trouxe uma proposta transgressora e foi extremamente bem sucedido.O primeiro setor, intitulado ‘Mais invasão que descobrimento’ tratou de abrir a narrativa deixando claro o que todos já sabem, que o Brasil não foi descoberto por ninguém, mas sim invadido por europeus. No segundo setor, ‘Heróis de lutas inglórias’ a história indígena seguiu sendo contada, mostrando como os nativos sofreram um genocídio pelas mãos dos ditos heróis.

No terceiro setor, ‘Nem do céu, nem das mãos de Isabel’, a Mangueira desconstruiu o posto de heroína da princesa Isabel, que assinou a lei Áurea, mas que segundo o enredo não foi uma personagem fundamental na luta pelo fim da escravidão. No setor ‘A história que a história não conta’ o enredo satirizou herois da Monarquia. O desfile foi encerrado com o setor ‘Dos Brasis que se faz um país’ e jogou luz sobre a necessidade de se compreender a verdade do passado para construir o futuro.

Fantasias

Leandro apresentou um conjunto bastante diversificado. Os dois primeiros setores, de estética indígena, obviamente tinham fantasias com bastante penas e maquiagem para marcar os figurinos. Algo diferente do que o carnavalesco vinha fazendo desde sua chegada à Mangueira. O traço fundamental e característico de Leandro apareceu a partir do terceiro setor. Novamente um inspirado conjunto criado por Leandro.

Alegorias

Foi com as alegorias que o enredo de Leandro Vieira causou nas pessoas o sentimento contestador e de choque, algo pretendido claramente pelo enredo. O mais forte carro foi o segundo, que trouxe o conhecido monumento aos bandeirantes, localizado em São Paulo, pichado com os dizeres ‘Assassinos’ para designar a matança do povo indígena. Apesar de grande conjunto, o abre-alas passou apagado no primeiro módulo de julgamento. Na quinta alegoria mais heróis desconstruídos. Em uma imagem forte, eles apareceram pisando em esculturas de negros mortos.

Outros Destaques

A Mangueira iniciou seu desfile aos gritos de “É Campeã”. E foi dessa mesma forma que terminou sua apresentação. A rainha de bateria Evelyn Bastos veio representando a escrava Esperança Garcia, mulher que ousou registrar por escrito as violências que sofria em uma fazenda no Piauí. O tripé da comissão de frente foi tinha um sistema de som dentro da alegoria para orientar seu deslocamento pela avenida. Alvinho, ex-presidente da agremiação, veio no final da escola absolutamente extasiado.

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