InícioSérie OuroSão ClementeMetacarnaval clementiano de 2019: a glória identitária de Jorge Silveira

Metacarnaval clementiano de 2019: a glória identitária de Jorge Silveira

Por Tiago José Freitas Batista*

Fizeram-se os fogos na Sapucaí. Abriram espaço para a São Clemente pisar. Em 2019, mais do que a volta da irreverência da Escola, ficou firmada a glória identitária da narrativa de Jorge Silveira. Bruner (1991, p. 04) compreende que a narrativa é o meio pelo qual organizamos nossas experiências e nossas memórias. Silveira, então, se vale deste aspecto bruneriano e retoma um carnaval outro, o memorizado por sua experiência e o revelado na intensa pesquisa em vídeos e em entrevistas com membros da agremiação.

Bruner afirma que “a sequencialidade da narrativa é uma de suas propriedades mais importantes, pois toda narrativa é composta por uma sequência singular de eventos, estados mentais e seres humanos como personagens ou atores envolvidos nos eventos”, por esta razão compreendemos uma feliz e bem sucedida “amarração” carnavalesca do que fora narrado por Jorge na São Clemente. Com muita astúcia, inventividade e originalidade ele criou atos de fácil leitura com uma sequência arrebatadora das situações que os sambistas mais ávidos vivenciam: a disputa pelo poder.

O poder, na São Clemente 2019, é carnavalizado nas mais diferenciadas vertentes: a) os artistas que aparecem apenas para os desfiles, b) a vaidade de carnavalescos e sambistas contratados, c) a disputa pelo cargo de rainha de bateria, d) a inserção de músicas não carnavalescas no território do samba, e) as viradas de mesas dos dirigentes das Escolas de Samba, entre outros.

Também em Bruner compreendemos que as narrativas são consideradas poderosas quanto a sua historicidade, não importando se é constituída de imaginário ou de elementos reais. Afirma Bruner (1997, p. 47) que “a sequência das suas sentenças, e não a verdade ou falsidade de quaisquer dessas sentenças, é o que determina sua configuração geral. É essa sequencialidade singular que é indispensável para a significância de uma história e para o modo de organização mental em cujos termos ela será captada”. Jorge Silveira brincou com as sentenças de seu desfile, tudo era real, tudo era mentira, tudo era imaginado, tudo era arquitetado com a missão única de ”metacarnavalizar”, sim, o Carnaval falando de desfile de Carnaval.

Um elemento do desfile, que muito impactou este pesquisador (Batista), foi a comissão de frente: na estética, no discurso e na narrativa – explosão! Destaco que este elemento violou os padrões convencionais de narrativas, não considerando a possibilidade de um evento final, desta forma, a comissão foi mais para confundir (game over) do que para dar certo (apresentar uma solução exata).

A São Clemente de Jorge Silveira e de Botafogo também “violou as regras dos enredos convencionais, levando as pessoas a verem acontecimentos humanos de um novo ponto-de-vista, de uma maneira que elas nunca haviam notado” (BATISTA, 2017, p. 63). Esse acontecimento complementa Pêcheux, é “é um ponto de encontro entre uma atualidade e uma memória” (PÊCHEUX, 1997, p. 17), ou seja, a história carnavalizada é constituída por uma correlação entre o fato histórico em si e o meio como ele foi concebido e reproduzido. Nessa senda, o que compreendemos é que o desfile de 1990 faz parte de um memória e que ao retornar para o sambódromo mesmo (re)significado, atualizado estará sempre nas condições de produção dos desfiles no começo da década de 90 que, discursivamente, continua nos mesmos moldes.

Esse local, de rememoração, é sem dúvida a melhor reedição já efetivada na avenida na minha tríade de análise (discurso, imagem e narrativa) que representa o amadurecimento do projeto e execução do texto de Jorge Silveira na Marquês de Sapucaí. Glórias, Jorge, Glórias, São Clemente.

 

  • Tiago José Freitas Batista – Coordenador geral Observatório de Carnaval/UFRJ. Doutorando em Linguística/UFRJ

Referências:

BATISTA, Tiago José Freitas. Narrativas poético-musicais-amazônidas na dromologia do carnaval carioca e paulistano: indigenismo, folclorismo e africanidades religiosas. Dissertação. Mestrado Acadêmico em Letras, Núcleo de Ciências Humanas, Universidade Federal de Rondônia, 2017.

BATISTA, Tiago José Freitas. O político e o burlesco na Mangueira 2018: arquitetura e sentidos. Entremeios [Revista de Estudos do Discurso, ISSN 2179-3514, on-line, www.entremeios.inf.br], Seção Temática [Discurso, arte e literatura – Parte I], Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPGCL), Universidade do Vale do Sapucaí (UNIVÁS), Pouso Alegre (MG), vol. 16, p. 307-326, jan. – jun. 2018

BRUNER, Jerome. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

BRUNER, Jerome.. A construção narrativa da realidade. Critical Inquiry. Trad. Waldemar Ferreira Netto, 1991.

PÊCHEUX, Michel. Análise Automática do Discurso (AAD-69). Em: GADET, F.; HAK, T. (Org.). Por Uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3ª ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997.

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