InícioSão PauloRosas de Ouro: um banquete para saciar a fome de melhores colocações

Rosas de Ouro: um banquete para saciar a fome de melhores colocações

No carnaval de 2016, a Sociedade Rosas de Ouro sentiu um gosto amargo no paladar após ficar em 11° lugar no carnaval de São Paulo, a pior colocação de sua história no Grupo Especial. Com o enredo “Arte à Flor da Pele: A minha história vai marcar você”, a azul e rosa apresentou um visual aquém do habitual luxo da escola. Contando com problemas no quesito Evolução e falhas na coreografia da Comissão de Frente, a comunidade da Freguesia do Ó não conseguiu “tatuar” o seu nome no mais alto lugar do pódio do carnaval.

Em busca de melhores colocações, a agremiação presidida por Angelina Basílio resolveu arrumar a “mesa” e trouxe de volta um de seus ingredientes favoritos: o intérprete Royce do Cavaco e adicionou a essa receita, a contratação do carnavalesco André Machado. Um dos grandes desejos da agremiação era de esquecer o resultado do carnaval anterior e sonhar com o título que não era “saboreado” pela Roseira desde 2010, quando a escola contou na avenida a história do cacau e a produção do chocolate.

Com a missão de dar água na boca de novo no Anhembi, a Rosas de Ouro selecionou episódios emblemáticos desde as relações dos deuses egípcios na Antiguidade às atuais festas de aniversários ao enredo intitulado “Convivium – Sente-se à mesa e saboreie”. De acordo com a sinopse, foi o amor um dos temperos especiais para a celebração carnavalesca e, segundo o carnavalesco, “tudo foi feito com muito carinho, com cuidado”.

Na abertura da escola, a comissão de frente representou a “Celebração a Osíris – O Deus da Vida”, cujo irmão Seth, sedento de inveja e de ganância, convoco-o a um banquete para atraí-lo em uma emboscada. Osíris não desconfiou do convite e teve o seu corpo cortado em quatorze pedaços. O pai da fertilidade retornou das terras de Anúbis graças ao intermédio da sua esposa Ísis, deusa da compaixão, e se consagrou símbolo de fartura e prosperidade. Logo os festejos egípcios em comemoração a vida passageira ganharam fama, regados de vinhos, mel e uma alimentação a base de frutas. Para tal encenação, havia um destaque em cima do tripé, fato corriqueiro nos desfiles com a assinatura do carnavalesco, fantasiado de Osíris.

O samba se revelou um delicioso desjejum na manhã de terça-feira assim que os primeiros raios de sol pairaram sobre o sambódromo. De autoria dos compositores Aquiles da Vila, Guiga Oliveira, Fabiano Sorriso, JC Castilho, Marcus Boldrini, Salgado Luz, Rapha SP e Vaguinho, a obra embalou a bela apresentação da escola sobre a convivência dos povos ao redor das mesas e das celebrações acompanhadas de uma abundância de alimentos. O samba-enredo ajudou a Roseira a voltar à disputa das primeiras colocações e adocicou a autoestima dos torcedores da escola.

Os elementos presentes nas mesas das sociedades da Antiguidade, como a romana, grega e chinesa, presentes nos primeiros setores da agremiação. A segunda alegoria “Os Banquetes da Idade Média”, por exemplo, contou a celebração a partir da ótica da confraternização. A riqueza e ostentação, retratos da divisão social no período feudal deram os contornos ao elogiado carro, com uso de cores vibrantes, no qual predominou a cor rosa, um dos símbolos da escola. O mítico dragão Lindworm foi derrotado depois que rei local mandou preparar um banquete com boi enrolado no arame farpado a fim de que o animal se engasgasse e morresse. O feito logrou êxito e as habitantes da recém-fundada Klagenfurt voltaram a sorrir.

Seguindo uma narrativa linear e cronológica da história mundial, passando pelas eras antiga, medieval e seguida pela Moderna, o banquete para o Rei-Sol no grandioso palácio de Versalhes e a criação do chantilly para esse jantar, assim como o último baile do império na Ilha Fiscal e o maior banquete da história em homenagem a rainha Vitória, também não foram esquecidos.

O respeito ao azul e rosa da agremiação e extremo bom gosto do carnavalesco na paleta de cores usada na apresentação foi umas dos triunfos da Rosas de Ouro. Outro destaque foram os figurinos da ala das baianas feitas artesanalmente retratavam as “Filhas de Santo”. O candomblé, uma das religiões de matriz africana, pôde ser vista desde a ala das baianas à alegoria três “O Olubajé – Banquete do Rei”.

No contexto da pós-abolição da escravatura no Brasil, marcado pela marginalização e exclusão social dos povos negros, André Machado nos lembra da festança organizada pelo rei de Oyó, Xangô, em que todos os orixás foram convidados, exceto Obaluaê. Ao notarem a ausência de um dos membros do panteão yorubano, retiraram da celebração rumo ao oxirá rejeitado. Perdoados, foram submetidos a condição de que organizassem anualmente um banquete onde estes fossem reverenciados com vinte e uma comidas diferentes. O nome desse ritual sagrado é homônimo ao da alegoria.

Os mestres-cucas da Roseira comandados pelo “chefe” Rafa executaram um toque inédito no sambódromo com a bateria Furação Azul e Rosa. As batidas eram realizadas no momento em que era cantado o refrão do meio do samba em que reverencia Obaluaê com o ritual do banquete Olubajé. O Opanijé foi pensado por candomblecistas, pelo “pai de santo” em contato com a entidade e pelo próprio mestre de bateria. O batuque foi adaptado a rítmica do samba e por meio das bossas levantaram as arquibancadas e contagiaram o público.

Embora o Mestre Rafa fosse evangélico, ele não se recusou ao executar um toque inédito no sambódromo com a bateria Furação Azul e Rosa. O ato de respeito se mostrou uma bela mensagem, visto os momentos pelos quais estamos vivendo, em que o discurso de ódio e a intolerância religiosa são frequentes em nosso dia a dia. Como diz a letra do samba “Não importa a religião”.

Por se tratarem de temas religiosos, as comemorações dos calendários islâmico, judaico e católico também estiveram seu espaço nesta narrativa e vieram atrás do carro três em formato de alas como “O Ramadã”, “O Pessach” e a “A Páscoa Católica”. A comemoração secular como “O Primeiro aniversário”, assim como as alas citadas, vieram próximas ao carro quatro “Não há Idade para um doce banquete” que lembrou os doces distribuídos no dia dos santos católicos São Cosme e São Damião. Na alegoria, a presidente Angelina veio vestida de noiva, devido ao seu casamento celebrado por um babalorixá, minutos antes de a Roseira iniciar o seu desfile no Anhembi.

E as tradicionais ceias de Natal, Ano-Novo? A letra do samba nos faz pensar “E semear o nosso pão de cada dia/Com uma pitada de amor/ Para a miséria acabar Somos irmãos em comunhão”. Será que são todos que podem desfrutar de tamanhas abundâncias em suas mesas? Como nós lidamos com a comunhão com aqueles que não são nossos familiares e amigos?

Encerrando o desfile o quinto carro “A Ceia Nossa de Cada Dia: Pitada de Amor”. Nela, havia diversos cozinheiros com síndrome de down em uma clara mensagem de inclusão, pois sabemos que, para uma receita dá certo, é necessário “viver em união e harmonia” somado a “uma pitada de amor”. A escola, com isso, conquistou o quinto lugar e retornou aos Desfiles das Campeãs. O resultado agradou aos torcedores e os fez recordar como é bom se deliciar com boas apresentações e sonhar com o prato principal, o campeonato.

Autor: Phellipe Patrizi Moreira – Mestrando em Educação na FFP/UERJ e membro do OBCAR.
Orientador: João Gustavo Melo, Doutorando em Linguística/UERJ, Pesquisador OBCAR.
Leitor crítico: Rennan Carmo, História da Arte, Pesquisador/OBCAR.
Instagram: @obcar_ufrj

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