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‘Samba Didático’: Com tom crítico à sociedade brasileira, São Clemente representará o ‘Conto do Vigário’

Por Gabriella Souza

“Sempre surge um novo malandro reinventando a malandragem”. A alfinetada da
clementiana ao ‘jeitinho brasileiro’ é ilustrada pela figura dos vigaristas. Aos enganadores,
golpistas e interesseiros o que lhes restou foi a criatividade de suas histórias, que encontraram solo fértil em terras brasileiras, marca desagradável fincada na história desse povo. As histórias narradas perpassam também a fé e chegam até as críticas à classe política do país. A escola brinca em tom crítico com todas as contradições da sociedade brasileira, que segundo ela, “é nessa terra inventada, onde as incertezas prevalecem”. Chegam à atualidade e tomam forma nas personalidades inventadas para as redes sociais e na popularização das fake news.

O enredo “O Conto do Vigário” tem a assinatura do carnavalesco Jorge Silveira. A escola
fortalece a parceria, que vai para seu terceiro carnaval consecutivo. Já a obra que irá
representar a São Clemente na Avenida é dos compositores André Carvalho, Camilo Jorge,
Gabriel Machado, Gustavo Albuquerque, Luiz Carlos França, Marcelo Adnet, Pedro
Machado e Raphael Candela.

O site CARNAVALESCO dando continuidade à série de reportagens intitulada “Samba
Didático” entrevistou o carnavalesco Jorge Silveira para saber mais sobre os significados e
as representações por trás de alguns versos e expressões presentes no samba da preto e
amarelo da Zona Sul.

‘QUEM VAI FICAR COM A IMAGEM DE MARIA?’

“Refere-se a um dos pontos fundamentais da sinopse. É a disputa de duas paróquias pela
imagem de uma santa destinada a cidade de Ouro Preto no século XVIII. E a partir da disputa dessa imagem por dois vigários de igrejas diferentes é que um deles acaba trapaceando. Esse episódio faz surgir a expressão “o conto do vigário”. Esse verso é justamente um questionamento que nós fazemos para saber qual das duas paróquias vai ter a honra de receber a imagem da santa”.

‘O BURRO VAI TOMAR A DECISÃO’

“Na disputa das duas paróquias, um dos dois vigários tem a ideia de amarrar a imagem da
santa no lombo de um burrinho, que é solto pelas ruas de Ouro Preto. A decisão do burro em entrar em um das duas paróquias, carregando a imagem da santa, seria a para eles a vontade de Deus orientando o animal. Decidindo, assim, qual das duas paróquias teria a honra de abrigar a imagem.

‘ DOM JOÃO DEU UMA VOLTA EM NAPOLEÃO’

“Nessa parte nós começamos a percorrer a história do Brasil. Nossa trajetória é marcada por fatos e acontecimentos marcantes pontuados através de golpes, enganações e truques. É histórico, conhecido de todos, que a família real portuguesa ao fugir para o Brasil acabou
enganando as tropas de Napoleão, fundando a capital do Império português no Rio de
Janeiro. Então, malandramente, Dom João cria o ‘jeitinho brasileiro’ e carioca, ao dar uma
volta em Napoleão, enganando-o. E assim, acaba por sobreviver junto de toda sua família nas terras tropicais brasileiras”.

‘TEM LARANJA’

“Aqui estamos falando obviamente sobre o ‘laranjal’ da corrupção brasileira. Colocamos o
dedo na ferida nos esquemas de corrupção e nas pessoas que são utilizadas como ‘laranja’
para poder assumir a propriedade e patrimônio de vários políticos e autoridades que não
colocam em seus próprios nomes. Vamos brincar com a figura do ‘laranja da corrupção’ no
enredo a partir dessa expressão”.

‘É O BILHETE PREMIADO VENDIDO NA RUA’

“Faz referência a um golpe muito comum no século XX com o crescimento das grandes
cidades brasileiras, com o agrupamento urbano. Várias pessoas saíram do interior e
começaram a morar nas grandes cidades e tornaram-se, assim, um prato cheio para a vigarice, para os espertos. O golpe do bilhete premiado é muito comum e perpetua até hoje. Nada mais é do que a falsificação do bilhete de loteria para tentar conseguir os ganhos reais de uma premiação, sem ter tirado o bilhete verdadeiro”.

‘HOJE, O VIGÁRIO DE GRAVATA’

“Estamos falando dos falsos religiosos que se fazem de santos, camuflados de um terno
bonito, uma gravata encorpada e que vendem a imagem da perfeição e da correção. Mas que na verdade estão cobertos de corrupção, camuflando a vontade de tirar dinheiro dos mais pobres através da intenção de um dízimo. Onde a pessoa que doa fica com os bolsos vazios em nome da fé”.

‘TRAGO EM TRÊS DIAS SEU AMOR’

“Essa é uma brincadeira com aquelas promessas que vemos pintadas nos muros, de pessoas que prometem fazer trabalhos espirituais para poder recuperar seu amor perdido em três dias. Caminhamos pelas ruas da cidade, vemos as pinturas com os telefones e a oferta do serviço que afirma trazer de volta o seu amor. Vamos brincar com isso também nas alas da escola”.

‘LA GARANTIA SOY YO!’

“Aí é uma brincadeira direta com os produtos importados do Paraguai. Na parte final do
enredo é feita uma referência ao fato de que muitas vezes nós compramos produtos que
prometem ter uma certa qualidade, mas na verdade, não passam de uma enganação e
falsificação, não entregando aquilo que prometem. E quase sempre o vendedor, de maneira
obscura, consegue o produto para nós sem a nota fiscal. E eles acabam dizendo que “não se preocupe, a garantia sou eu”, justamente o significado dessa expressão”.

‘CHAMOU O VAR, TÁ GRAMPEADO’

“Essa é uma expressão que foi acrescentada no enredo pelos compositores, isso não existia
originalmente na sinopse. Mas eu já tratei de acrescentá-la no enredo e na versão final que vai para os jurados. E, claro, acrescentei isso no desfile. É um achado maravilhoso que os
compositores trouxeram, enriquecendo o significado do enredo. Naturalmente o VAR está se referindo ao ato do futebol, onde o juiz pede a presença da fiscalização das câmeras para verificar se alguma coisa está certa ou errada. Vamos usá-la de maneira diretamente
relacionada com a política. A São Clemente vai chamar o VAR para os políticos e vai
verificar as coisas que são erradas. Já o ‘tá grampeado’ faz referência a maneira como as
relações dos políticos são vigiadas hoje pela polícia, com telefonemas grampeados e verdades ocultas sendo reveladas”.

‘TEM MARAJÁ PUXANDO FÉRIAS EM BANGU’

“Se nós observarmos, grande parte da classe política, especialmente do Rio de Janeiro, acaba terminando sua carreira no presídio de Bangu. Então nós vamos fazer uma brincadeira com isso também. Marcando a presença dos nossos ilustres políticos que acabam indo passar férias nesse presídio, através da descoberta de suas falcatruas. Brincamos também com o aspecto do ‘férias’. Acabamos sabendo, aqui do lado de fora, que lá dentro eles têm mais regalias do que as pessoas mais pobres do nosso país. Possuem acesso ao DVD, ao champanhe, ao caviar, e à tudo aquilo que muitos não têm aqui fora. E eles conseguem tudo isso com facilidade dentro do presídio”.

‘O FILTRO É FANTASIA DA BELEZA’

“É um dos trechos mais poéticos do samba, que fala de maneira muito criativa sobre o
aplicativo de namoro ‘Tinder’. A gente trata sobre esse aspecto de as pessoas prometem uma coisa pelas redes sociais e nem sempre a outra pessoa que você vai encontrar corresponde a aquela imagem que foi vendida pelas redes sociais. O filtro acaba camuflando o aspecto da pessoa e vende uma imagem que não é verdadeira”.

‘BRASIL, COMPARTILHOU, VIRALIZOU, NEM VIU!’

“Fala da atualidade do nosso país. Vivemos uma realidade em que as inverdades são
propagadas pelas redes sociais e pelo WhatsApp na velocidade de um clique. As mentiras vão sendo jogadas de um lado para o outro, a ponto de chegarem em uma escala que interfere nas nossas decisões políticas A última eleição foi fortemente orientada pelo poder das ‘fake news’ e até hoje elas atuam intervindo nos rumos da nossa política. É uma questão muito séria e não vamos deixar de criticar isso”.

‘E O PAÍS INTEIRO ASSIM SAMBOU, CAIU NA FAKE NEWS!’

“Estamos falando aqui da interferência das ‘fake news’ nas ações políticas. A gente acaba
tendo uma enganação coletiva. Com isso, o país inteiro sofre as consequências das decisões tomadas de súbito pelas pessoas que compartilharam mentiras pelas redes sociais e nem sequer verificaram a verdade das informações que propagam”.

‘A MARÉ VAI VIRAR, LAIÁ’

“Estamos falando aqui sobre esperança. Que apesar dos problemas e golpes que são
apresentados no enredo, nós temos a perspectiva de que precisamos acreditar que podemos virar esse jogo e devemos reverter essa situação. Trazendo tudo às claras e proporcionando a verdade ao povo brasileiro através da arte, do nosso empenho e do carnaval da São Clemente. Acreditar que podemos reverter essa situação todos juntos, empenhados, levando a verdade como primeiro fundamento de nossas vidas”.

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