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‘Samba Didático’: Mocidade quer mostrar que ‘essa nega tem poder’

Por Diogo Sampaio

Menina magrela, negra e pobre. Nascida em Padre Miguel, sonhava ser cantora desde a tenra infância. Viu em um programa de calouros no rádio, apresentado pelo compositor Ary Barroso, a sua grande oportunidade. Trajando um vestido de sua mãe, repleto de alfinetes para conter a sobra de pano, e com marias-chiquinhas no cabelo, lá foi a menina.

Ao subir no palco, o susto. Risos e gargalhadas. Sem pudores, e espantando com a figura da jovem parada em sua frente, Ary zombou: “De que planeta você veio, minha filha?”. Mais gargalhadas. Sem se intimidar, a garota rebateu: “Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome”. Silêncio. No estúdio, agora só se ouviu uma voz. E que voz… Através dos versos da música “Lama”, de Paulo Marques e Aylce Chaves, a menina calou e encantou a todos. Para Ary Barroso, restou apenas sacramentar que ali nascia uma estrela.

“Elza Deusa Soares” é o enredo que a Mocidade Independente de Padre Miguel levará para a Marquês de Sapucaí, no carnaval de 2020. Desenvolvido pelo carnavalesco Jack Vasconcelos, e com samba assinado por Sandra de Sá, Igor Vianna, Dr. Márcio, Solano Santos, Renan Diniz, Jefferson Oliveira, Professor Laranjo e Telmo Augusto, a verde e branco da Vila Vintém pretende emocionar com um tributo a uma de suas filhas mais ilustres, além de mostrar, mais uma vez, que “essa nega tem poder”.

O site CARNAVALESCO, dando continuidade à série de reportagens intitulada “Samba Didático”, entrevistou o compositor Igor Vianna e o jornalista Fabio Fabato, autor da sinopse da escola, para saber mais sobre os significados e as representações por trás de alguns versos e expressões presentes na obra independente para o carnaval de 2020.

Confira abaixo a análise feita pelos entrevistados de alguns versos e trechos do samba:

‘Laroyê e Mojubá’

“Esse verso trata-se de uma saudação ao povo de rua, para abrir os caminhos para Elza passar”, contou o jornalista Fábio Fabato.

“Assim como Exú, Elza é a porta-voz dos oprimidos, dos moradores de ruas e daqueles com menos oportunidades. Então, fazemos nesse verso uma reverência ao orixá mensageiro, para que ele possa abrir os caminhos da Mocidade e de Elza Soares na Avenida”, explicou o compositor Igor Vianna.

‘Onde a Água Santa foi saliva’

“Água Santa é um dos bairros onde Elza Soares morou. Certa vez, quando parecia que seria atacada por uma vaca que pastava perto de sua casa, recebeu uma lambida do animal. E ela entendeu aquilo como unção, batismo”, expôs o jornalista e autor da sinopse Fábio Fabato.

Já o compositor Igor Vianna destacou outra possível interpretação ao verso: “Em uma época onde Elza passou fome e sede, a única água que se encontrava era a saliva, para que a seca não fosse total”.

‘Para a preta não chorar’

“É um complemento ao que é dito anteriormente. É a voz da Elza que amordaça a opressão e que embala o irmão para a preta não chorar. A preta que cuida da criança, mas que tem que trabalhar em vários lugares pra complementar na renda da casa, a preta que passa necessidade na rua com seu filho, tantas pretas que vivem por aí”, alegou Igor Vianna.

“Elza é tratada no enredo como uma entidade que distribui liberdade a todas as pessoas historicamente oprimidas no Brasil”, frisou Fabato.

‘Da Lama nasce o amor’

“Elza começou a sua carreira no programa de calouros de Ary Barroso, cantando a música ‘Lama’, de Paulo Marques e Aylce Chaves”, relembrou o jornalista.

“Foi a partir daí que ela começou a ficar conhecida e espalhar o amor a todos em suas mensagens”, complementou o compositor.

‘Quebrar as agulhas que vestem a dor’

“Quando subiu ao palco do programa de calouros de Ary Barroso, Elza era uma menina de cerca de 20 anos, que pesava menos de 40 quilos. Para segurar o vestido no qual caberia três Elzas, ela encheu a vestimenta de alfinetes”, relatou Fábio Fabato.

“Usamos essas agulhas como um marco, que vestiu a dor de quem passava fome e abriu um mundo novo de esperança”, pontuou Vianna.

‘Sou eu que te falo em nome daquela’

“Esse é um verso da música ‘Malandro’, de Jorge Aragão, consagrada na voz de Elza Soares”, contou Fabato.

“Nesse contexto, o componente canta para Elza dizendo que sou eu que te falo em nome daquela, da batida mais quente, o som da favela. Canta em nome da Mocidade”, argumentou Igor.

‘Se acaso você chegar’

“É uma citação ao primeiro álbum de Elza Soares, que se chamava ‘Se acaso você chegasse’”, revelou Igor Vianna.

“‘Se acaso você chegasse’ é também uma referência à música de Lupicínio Rodrigues, consagrada na voz de Elza Soares”, apontou Fabato.

‘Deusa da Vila Vintém’

“Iniciamos a finalização da segunda parte do samba imaginando ela chegando como uma Deusa dos oprimidos, a porta-voz das ruas, espalhando toda sua mensagem do bem, despertando o mundo para o que precisa ser mudado, e matando a saudade do povo de Padre Miguel, que a muito tempo esperava e pedia por essa homenagem a Elza Soares”, declarou Igor Vianna.

“Filha legítima de Padre Miguel e da Vila Vintém, Elza será louvada na avenida como a deusa brasileira que fez de sua arte um libelo”, garantiu Fabato.

Mocidade 2020

A Mocidade Independente de Padre Miguel será a quinta escola a desfilar pela Marquês de Sapucaí, na segunda-feira de carnaval. A verde e branco da Vila Vintém irá na busca de seu sétimo título com enredo “Elza Deusa Soares”, assinado pelo carnavalesco Jack Vasconcelos, estreante na agremiação.

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