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‘Samba Didático’: Salgueiro exalta o protagonismo negro

Por Diogo Sampaio

Ator, escritor, diretor, produtor dançarino, compositor, cantor, palhaço e negro. Nascido no ano de 1870, em Cidade do Pará, nas Minas Gerais, Benjamim de Oliveira já veio ao mundo livre. Filho do capataz da fazenda, que capturava escravos fugidos na mata, e da negra cativa, que servia e fazia companhia aos senhores e senhoras da casa grande. Com apenas doze anos, atraído pelo fascínio e magia do circo, o Moleque Beijo, apelido dado pelo pai, fugiu de casa e partiu em viagem junto a caravana da trupe Sotero.

Tendo seu destino escrito nas estrelas de um céu de lona, Benjamim galgou seu espaço no picadeiro, conquistou plateias e teve seu talento reconhecido. Até o presidente da recém-criada República o aplaudiu. E mesmo com a cara pintada de branco, fez história ao tornar-se o primeiro palhaço negro do Brasil.

O Salgueiro, pioneiro como Benjamim, dono de uma vasta galeria de enredos com protagonismo negro, reafirma suas raízes e traz, para o carnaval de 2020, o Moleque Beijo para a Sapucaí. “O Rei Negro do Picadeiro” é o terceiro trabalho consecutivo do carnavalesco Alex de Souza na Academia do Samba, e terá como trilha-sonora o samba assinado por Marcelo Motta, Fred Camacho, Guinga do Salgueiro, Getúlio Coelho, Ricardo Neves e Francisco Aquino.

O site CARNAVALESCO dando continuidade à série de reportagens intitulada “Samba Didático” entrevistou os compositores Fred Camacho e Marcelo Motta, além do diretor cultural Eduardo Pinto, para saber mais sobre os significados e as representações por trás de alguns versos e expressões presentes no samba salgueirense. Confira abaixo, a análise feita pelos entrevistados de alguns versos e trechos do samba:

‘Na corda bamba da vida me criei’

“Com pano de fundo da vida do Benjamim utilizamos a todo momento palavras do cotidiano circense. Nesse momento do samba, falamos da infância dele, vivida sempre em situações de incerteza e esperança, a corda bamba da vida”, explicou o compositor Marcelo Motta.

“O Benjamim de Oliveira é um personagem brasileiro que nasce no período da escravidão. Apesar de já ser livre, é criado naquele contexto e consegue chegar onde ele chegou. Não foi fácil, e ‘na corda bamba da vida me criei’ se refere a essa trajetória de vida do próprio Benjamim”, defendeu Eduardo Pinto.

‘Mas qual o negro não sonhou com liberdade?’

“Na corda bamba da vida, na corda bamba do circo, ele se criou apesar de todas as dificuldades. Mas qual o negro não sonhou com liberdade? Muita gente se identificaria com isso no século passado, ou no século retrasado, com toda essa dificuldade de se aventurar no mundo artístico, que até hoje ainda existe. E o Benjamim foi um desbravador para a negritude nessa área”, pontuou o compositor Fred Camacho.

“Esse verso representa, dentro da história do Benjamim, a vontade por uma liberdade. Não aquela fake que a gente aprendeu nos livros da escola, mas uma liberdade total. E o Benjamim consegue essa liberdade através da arte circense. É possível também fazer um paralelo com os dias atuais: desse negro que, até hoje, não tem seu espaço, não tem o seu protagonismo, principalmente na arte. Então, podemos dizer que esse verso faz uma ponte, entre aquele momento do Benjamim, até o momento atual que a gente vive”, destacou o diretor cultural salgueirense.

‘Mambembe Moleque’

“Os compositores colocam nesse verso o Benjamim ainda criança, adjetivam essa situação com o ‘mambembe’, que é aquele que não gosta de ficar parado, que gosta de estar sempre mudando, sempre viajando, e volta a história do Benjamim: Que sempre pulou de galho em galho, passando de um circo para o outro, até chegar e se estabelecer”, ressaltou Eduardo Pinto.

O compositor Marcelo Motta revelou uma curiosidade: “O ‘moleque’, que finaliza o verso, emenda com o próximo que inicia com ‘Beijo’. Neste caso o verso acaba por ilustrar o apelido de Benjamim, dado por seu pai, de ‘Moleque Beijo’”.

‘Beijo o picadeiro da ilusão’

“O ‘picadeiro da ilusão’ representa o Benjamim cheio de sonhos no circo, olhando para aquele palco e, trabalhando com o imaginário, fazendo em sua cabeça a imagem dele próprio dando os seus saltos para o mundo”, declarou Camacho.

“Além da brincadeira e da junção com o ‘moleque’ do verso anterior, é também uma reverência a essa arte, que vai fazer o Benjamim se tornar uma pessoa conhecida e de talento. É como se ele beijasse realmente o picadeiro, que é esse local onde ele vai se projetar. E a ‘ilusão’ é aquela que o Benjamim tinha de conseguir chegar aonde ele gostaria, mas também a do circo, da coisa feliz, da alegria”, disse Pinto.

‘Fazer sorrir quando a tinta insiste em manchar’

“A lição maior desse nobre palhaço é a de que, mesmo com a alma triste, seu oficio era refletir no sorriso o bem à sua plateia. Mesmo se a lágrima insiste em manchar, ele estar pronto para fazer sorrir”, frisou Motta.

Já seu parceiro de samba, o compositor Fred Camacho, destacou: “O artista quando pisa no palco, ele tem que fazer sorrir, ele tem que emocionar, ele tem que encantar. Seja ele palhaço, cantor ou ator. Então, com esse verso, a gente explica bem isso. Você pode estar em um momento de tristeza, mas quando você sobe no palco, tem de incorporar um personagem, pedir a Deus aquela luz teatral, e trazer a sua verdade enquanto artista, para fazer os outros se emocionarem”.

‘O rosto retinto exposto’

Sobre esse verso, o pesquisador Eduardo Pinto explicou: “O rosto retinto, o rosto negro, exposto depois da tinta manchar, em uma referência ao verso anterior (‘Fazer sorrir quando a tinta insiste em manchar’), que é quando ele se expõe como pessoa. O que tem uma consequência a partir dos outros versos: ‘reflete no espelho/na cara da gente um nariz vermelho/num circo sem lona, sem rumo, sem par’. Quer dizer, ele se vendo no espelho, depois da tinta escorrida, se enxerga como um brasileiro refletido no espelho. E a partir daí, faz-se uma crítica aos problemas atuais: um país onde não temos rumo, nem esperança e que o povo fica em segundo plano”.

O compositor Fred Camacho ainda complementou: “Quando o artista acaba a apresentação, ele vai para o camarim e lá ele tira a maquiagem. No caso do Benjamim de Oliveira, era hora que ele via, frente ao espelho, o rosto negro dele, retinto, exposto. E como diz o verso seguinte, ‘na cara da gente um nariz vermelho’, ou seja, ele vê que é mais um palhaço nesse circo sem lona. Ele é mais um brasileiro que está em meio a turbulências, vindas de todos os lados”.

‘Há esperança entre sinais e trampolins’

“Percebemos que atualmente existem vários pequenos artistas que preferem, através da arte, ganhar a vida nos semáforos das grandes cidades. Seriam Benjamins do mundo atual? Estão lá, entre o triste palco das ruas e a esperança do reconhecimento”, ponderou Marcelo Motta.

“Nesse verso, fazemos uma alusão ao João Bosco, que fez uma música chamada ‘Malabaristas do sinal vermelho’. Toda vez que a gente passa em um sinal de trânsito, um semáforo, é possível ver artistas, malabaristas… E a gente se espelhou nisso: de ver os jovens que já tem aptidão para o circo”, completou Fred Camacho.

‘E a certeza que milhões de Benjamins’

“Esse verso precisa da sequência ‘Estão no palco sob as luzes da ribalta’ para entendermos que cada vez que um artista negro sobe ao palco e ganha as luzes da ribalta, vemos ali o legado de Benjamim”, apontou Motta.

“Nesse verso, nós estamos dizendo que todos esses jovens que tem essa aptidão, esse dom para o circo e a atividade circense, são Benjamins também. São frutos do que ele cultivou e plantou lá atrás”, afirmou Camacho.

‘Salta menino!’

“O ‘salta menino’ eu vejo como o Benjamim dizendo para os jovens, que estão aí aprendendo a arte do circo, que estão na batalha como ele esteve a vida toda: ‘Vai lá, menino! Salta! Corre atrás. Não desiste, como eu não desisti’. É uma forma de incentivo, do Benjamim, com essa juventude que hoje tenta um lugar ao sol”, avaliou Pinto.

“O enredo nos faz perceber que em cada etapa da vida de Benjamim, foi necessário um salto, sempre pra frente, ainda que fugindo de quem o oprimisse. Foram vários saltos. E hoje, o nosso grande artista, do alto de sua majestade, brada em incentivo aos novos Benjamins: Salta, menino!”, relatou Motta.

‘Sorrir é resistir!’

“’Sorrir é resistir’ é uma frase muito falada na sinopse. Ela sintetiza grande parte do enredo. Temos de manter nossos sorrisos, porque eles são demonstração de força também. O sorriso mostra alegria, positividade, mas também que nos mantemos de pé”, argumentou Camacho.

“É uma chamada para os dias atuais, em que a arte está sendo massacrada e perseguida. Então, dentro da arte circense, da arte do palhaço, sorrir é uma forma de resistência. É uma visão contemporânea, uma visão atual, dos tempos que a gente está vivendo”, salientou o diretor cultural do Salgueiro.

“Um grito de resistência em favor do sorriso, que mesmo quando a arte não encontra parceria, um sorriso encorajador pode ser uma eficiente arma contra a opressão e o descaso”, completou Motta.

‘Aqui o negro não sai de cartaz/ Se entregar, jamais!’

“O verso mais emblemático desse samba. Apesar das adversidades que tem a vida, a gente não pode nunca deixar de sonhar, de tentar realizar nossos sonhos. ‘Aqui o negro não saí de cartaz’, é uma frase em que nós, compositores, fomos muito felizes. Trazemos o Salgueiro com uma das suas grandes identidades: a de uma escola que sempre homenageou a negritude. Seja ‘Chico-Rei’, ‘Xica da Silva’, ‘Quilombo dos Palmares’, tanta história e enredo bonito, exaltando o negro, o Salgueiro fez. Esse trecho do samba é uma exaltação a raça negra e uma reafirmação de que o Salgueiro vai falar de negritude sempre”, relatou Fred Camacho.

“O Salgueiro é notoriamente conhecido por dar rosto, voz e significado à grandes personagens negros importantes para a história desse país. Nada mais justo que dizer que na Academia do Samba, eles sempre estarão em cartaz. Podem tentar diminuir a relevância da arte, do negro, mas nós jamais nos curvaremos”, ressaltou Marcelo Motta.

“Em 2020, mais uma vez, fazemos um enredo onde o negro é o protagonista. ‘Se entregar jamais’ é outro brado desse samba para os tempos atuais, mostrando esse lugar que o negro hoje ainda não ocupou, de protagonista nas artes, e que a proposta é de sempre lutar, como Benjamim sempre lutou”, finalizou Eduardo.

Mensagem final do samba

Ainda durante o bate-papo com a reportagem do site CARNAVALESCO, os compositores Marcelo Motta e Fred Camacho falaram sobre qual a mensagem que a parceria quis deixar através da obra composta para o Salgueiro em 2020:

“Nosso samba vem exaltar a história e a vida de um verdadeiro herói. O maior pioneiro negro da comédia em nosso país. Celebrando assim, ao mesmo tempo, a importância da cultura, da liberdade e da arte, que precisa ser valorizada, pois ela muda vidas. Assim como a do nosso Benjamim”, afirmou Motta.

Mais sucinto, Camacho respondeu de forma direta: ‘Uma mensagem de otimismo, superação e de resistência”.

Salgueiro 2020

Na busca pelo seu décimo campeonato, o Salgueiro levará para Marquês de Sapucaí o enredo “O Rei Negro do Picadeiro”, do carnavalesco Alex de Souza. A vermelha e branca da Tijuca será a terceira escola a passar pela Avenida, na segunda-feira de carnaval.

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