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Samba Didático: Vila canta Martinho e reverencia sua obra

CARNAVALESCO abre à série de reportagens entrevistando o compositor André Diniz para saber mais sobre os significados e as representações por trás dos versos e expressões

“Canta, canta minha gente, a Vila é de Martinho” promete trazer para Sapucaí, no reencontro com o carnaval em 2022, a vida e a obra do poeta que o samba deu para escola tradicional do bairro de Noel. Essa história acontece desde o nascimento e infância na “roça” na cidade de Duas Barras no interior do estado do Rio de Janeiro, promovendo um encontro intimista entre Martinho e sua escola de coração, e também com sua obra que cantarolou amores, amigos, a família, deste grande compositor do chamado “partido alto”, e, claro, de sambas-enredo. Por aí, também estarão presentes sua relação com a África, Angola mais especificamente, sua admiração por Miguel Arraes, “o pai Arraia”, além da sua criatividade para fazer sambas de sucesso produzidos com estruturas diferentes do usual e muitas vezes sem a utilização do recurso da rima.

O enredo é assinado pelo carnavalesco Edson Pereira, que está na Vila Isabel desde 2019.  Cantando a vida e a obra de seu mestre Martinho, a agremiação espera voltar ao desfile das campeãs que ficou de fora em 2020, e mais do que isso, ao fechar a segunda noite de desfile, colocar banca para voltar a gritar é campeã, repetindo 2013, quando também foi a última escola a passar pela Sapucaí emocionando o público que como daquela vez, em 2022 deverá ficar até o final para saudar o negro Rei Martinho.

O samba é uma composição de André Diniz, maior compositor de sambas da escola do bairro de Noel, que terá a honra, ao lado de Evandro Bocão, Dudu Nobre, Professor Wladimir, Marcelo Valença, Leno Dias e Mauro Speranza, de assinar o hino que irá homenagear o maior integrante e presidente de honra da Vila Isabel.

O site CARNAVALESCO abre à série de reportagens “Samba Didático” entrevistando o compositor André Diniz para saber mais sobre os significados e as representações por trás dos versos e expressões presentes no samba da Vila Isabel para o carnaval de 2022. André Diniz explicou que o intuito da obra era prestar uma homenagem à Martinho através da realização simbólica de um encontro intimista entre o homenageado e a Vila, com a apresentação de expressões na letra que gerassem memórias afetivas para o artista.

“O samba foi construído na intenção de agradar ao homenageado. Falar as coisas que tocassem o coração dele. Não só pela reverência a ele, mas também pela percepção de que ele seria fundamental na escolha dos sambas. Então, fizemos um samba para agradar o Martinho da Vila. O samba é um encontro com o Martinho em um bar ou em um camarote, ou em algum lugar para assistir o desfile da Vila. Dentro dessa ideia, a letra toda vai falando do ‘abre uma gelada’, ‘ a saideira’, o samba é construído com essa ideia de um encontro com o Martinho de forma despojada, chegar mais próximo dele. A gente fez questão desta conversa intimista com ele. Além disso, usamos o recurso de explicar o enredo com palavras que fazem parte de obras dele”, explica o compositor campeão da Vila Isabel.

Confira o significado de alguns versos e expressões presentes no samba segundo a ótica de André Diniz:

“PARTIDEIRO, PARTIDEIRO Ó / MINHA VILA ISABEL BRILHA MAIS DO QUE O SOL”

“É uma lembrança de música. Primeiro que ele é um dos grandes ‘partideiros’, cantores de ‘partido alto’ do país, e versadores. Mas, a ideia é principalmente lembrar do ‘cirandeiro, cirandeiro ó, a pedra do seu anel brilha mais do que o sol’, da Vila Isabel de 1972. Então, a gente brinca, ao invés de colocar o ‘cirandeiro’ que ele usou, a gente colocou o ‘partideiro’ que lembra a obra dele, mas fala dessa característica de ser um ‘partideiro’, um cantor e compositor de partido alto.

“FERREIRA, CHEGA AÍ”

“Esse trecho explicita o modelo de narrativa que a gente usou, primeiro um linguajar despojado, intimista de chamar ele (o Martinho da Vila) de Ferreira, que é Martinho José Ferreira, mas geralmente todo mundo chama ele de Martinho né, mas os mais antigos aqui da escola em especial chamam ele de Ferreira. A ideia é chamar o Martinho para um bate papo como se estivéssemos chamando um amigo para conversar”.

“A AVENIDA ENGALANADA / NOSSA GENTE EMOCIONADA VAI RELUZIR”

“Engalanada significa enfeitada, em galões, dourada, brilhante. A gente podia colocar enfeitada, mas aí não ficaria Martinho. Engalanada é muito utilizada por compositores de samba enredo e Martinho também em alguns sambas até que ele perdeu aqui na Vila. Nos anos 60 e 70 era muito utilizado.  A Avenida está toda enfeitada, o povo da Vila está emocionado por contar sua história, e fazer brilhar sua história”.

“RAÍZES DA ROÇA PARA O PRETOS FORROS / TANTO TALENTO NÃO GUARDA SEGREDO”

“O Raízes da Roça para ‘o pretos forros’ é porque ele vem de Duas Barras, cidade do interior do Rio de Janeiro, por isso ‘raízes da roça’, e primeiro lugar onde ele morou no Rio de Janeiro, na Boca do Mato, Serra dos Pretos Forros, por isso a gente diz que ele veio ‘da roça’ para o Pretos Forros. ‘Tanto talento não guarda segredo’ por que o Martinho, na verdade vai na gravadora a primeira vez para apresentar o disco da esposa dele, ele era só compositor e quando o produtor pergunta ‘tá bom, mas ela vai cantar o que’, ele mostra as músicas dele e o produtor se apaixona pela forma dele de cantar”.

“SE A PAZ EM ANGOLA LHE PEDE SOCORRO / FILHO DE TERESA, ENCARA SEM MEDO”

“A coisa do ‘filho de Teresa, encara sem medo’ é porque as memórias que vem do Martinho é que a mãe dele é uma mulher muito forte, muito guerreira, muito batalhadora, e por isso, filho de quem é, vai encarar o que a vida lhe oferecer. E essa ‘paz em Angola lhe pede socorro’ é referente a alguns momentos em que o Martinho vai em Angola, um deles no meio da independência, depois na guerra civil. Ele vai quando Angola estava em guerra e ele era meio que uma unanimidade por lá. Todos os grupos em guerra adoravam Martinho da Vila, então foi uma chance legal de mostrar o pacificador que ele se transformava quando chegava lá”.

“SEGUIU ESCOLA DO PAI ARRAIA”

“Esse trecho faz referência ao samba que construímos junto ao Martinho, ‘Memórias do Pai Arraia’, que aplaudia o movimento de cultura popular, que eram as escolas criadas por Miguel Arraes lá em Pernambuco. Esse trecho quer dizer que seguiu os ensinamentos do Miguel Arraes, além das escolas que o Miguel Arraes construiu no sentido físico”.

“OUSAR, MUDAR E FAZER SEM RIMA”

“É por causa do samba ‘Raízes’, um samba enredo construído sem nenhuma rima, samba da Vila de 1987”.

“ÁFRICA EM PRECE, O GRIÔ, A REFERÊNCIA / O SENHOR DA SAPIÊNCIA, ESCRITOR DA CONSCIENCIA”

“Significa a representação das lutas africanas, da religiosidade africana. ‘O Griô’, o cara que conta as histórias, o cara que inspira, o senhor da sabedoria, o cara que forma pensamentos”.

“EU VOU JUNTO DA FAMÍLIA / DO PINDUCA À ALEGRIA PRA BRINDAR”

“A gente sabia o quanto seria importante falar da família dele, dos filhos que o Martinho tem uma verdadeira paixão pelos filhos, a gente não tinha como falar o nome de todos. O primeiro é Martinho Antônio, que a família chama carinhosamente de Pinduca. E o último filho é a Alegria. Por isso, nesse nosso encontro com o Martinho, a família vai junto. Todos os filhos vão também, do Pinduca à Alegria, a mais nova”.

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