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Série Barracões da Série A: Império da Tijuca enaltece raízes educativas e aposta na grandiosidade

Por Diogo Sampaio

O pedreiro Evando dos Santos nunca frequentou uma carteira de escola. Ainda muito jovem, deixou o agreste sergipano e se mudou para o Rio de Janeiro. Autodidata, aprendeu a ler já adulto, por meio de um exemplar da Bíblia. Há mais de duas décadas, dedica sua vida a incentivar a cultura e a estimular o gosto pela leitura nas pessoas. Conhecido por muitos apenas como o “homem livro”, pelo menos uma vez por semana, veste a fantasia de papelão e plástico que lhe rendeu a alcunha, e sai pelas ruas da Vila da Penha, na Zona Norte do Rio, espalhando exemplares de obras literárias e gibis. Sua história, que já inspirou tese de doutorado e até romance, será fio condutor para o Império da Tijuca falar de educação no carnaval 2020.

“Falamos de educação, usando como fio condutor a vida do “homem livro”, que foi uma pessoa transformada pela educação, e que por ela tenta transformar a vida das pessoas. Não é uma biografia do Evandro. A partir da vida dele iremos traçar várias questões, sobretudo a importância do livro”, ressaltou o carnavalesco Guilherme Estevão, que assina o desfile da escola este ano.

O enredo, intitulado de “Quimeras de um eterno aprendiz”, teve ideia inicial concebida pelo carnavalesco Marcus Ferreira, porém, só ganhou forma e vida nas mãos de Guilherme Estevão.

“Quando eu cheguei ao Império da Tijuca, só tinha o título e o tema, de falar sobre educação, tendo o ‘homem livro’ como personagem. Não havia desenvolvimento do enredo. Tanto que a sinopse é minha, a setorização é minha… Toda a costura do enredo foi eu que fiz. O enredo é a minha cara. Não tem absolutamente nada de outro artista. O Marquinhos (Marcus Ferreira, carnavalesco) me passou o que ele já tinha preparado e me disse para eu costurar da minha maneira. A escola me deixou livre para construir”, relatou Guilherme para o site CARNAVALESCO.

O artista, de 24 anos, foi contratado pela agremiação do Morro da Formiga, em maio do ano passado, após Marcus Ferreira, que inicialmente desenvolveria o carnaval da escola, deixar o posto para assumir a Viradouro, no Grupo Especial, ao lado de Tarcísio Zanon. Durante a entrevista, Guilherme contou como surgiu o convite.

“Tanto o Marquinhos, quanto o Tarcísio, já conheciam o meu trabalho na Intendente. Eu trabalhei com Tarcísio em vários lugares: TV, Copa América, etc.. Quando eles receberam o convite da Viradouro, o Marquinhos de imediato me ligou e propôs de eu fazer o Império da Tijuca. Ele que fez essa ponte. Quando eu apresentei minha proposta para o Tê (Antônio Marcos Teles, presidente do Império da Tijuca) e o Luan (Teles, diretor de carnaval), eles me fizeram o convite e foi tudo muito rápido. Tanto que fui contratado em uma quinta-feira, e na segunda, eu já estava com a sinopse pronta. O Império da Tijuca é uma escola familiar. Eles me trataram como um filho, como se eu fosse da família Teles. Toparam quase todas as ideias que tive”.

Estreante na escola e na Marquês de Sapucaí, o artista traz no currículo passagens como desenhista e projetista pela Acadêmicos do Sossego, pela Porto da Pedra e pela Renascer de Jacarepaguá. Além disso, Guilherme conta com trabalhos na Leandro de Itaquera, na Morro da Casa Verde e na Dom Bosco, pelo carnaval de São Paulo. Já na Intendente Magalhães, assinou no último ano o desfile da Independentes de Olaria, alcançando um terceiro lugar na Série D. Para o site CARNAVALESCO, ele comparou as diferentes experiências que já vivenciou na carreira e apontou o que trouxe de lição para o atual desafio.

“São Paulo tem uma característica muito diferente. Seja na volumetria ou na montagem. Quando fiz Leandro de Itaquera ou Morro de Casa Verde, aprendi a enxergar cada carnaval como ele é. Não dá pra importar o Rio para São Paulo e São Paulo para o Rio. O carnavalesco precisa saber disso e respeitar. São Paulo tem uma variedade incrível de materiais e preço. Foi isso que trouxe pra cá: mudar a maneira de comprar materiais no Império da Tijuca. O olhar da transformação, do material de efeito e da decisão rápida, de não ter o material A ou B, aprendi na Intendente. Isso foi a base fundamental para o trabalho desse ano. Eu falo que virei um grande truqueiro depois de passar pela Intendente, pois toda hora foi um truque aqui no barracão”, avaliou Guilherme Estevão.

Grandiosidade permanece, mas muda paleta de cores

Outro desafio a ser encarado por Guilherme é manter a trajetória de ascensão do Império da Tijuca. Em 2019, a verde e branca terminou o carnaval da Série A em quarto lugar, o melhor resultado desde 2013, ano em que a escola se sagrou campeã do grupo.

“Cheguei aqui pra fazer o Império crescer mais e mais. Isso também é um norte para eu trabalhar intensamente como estou trabalhando aqui. O Império da Tijuca é uma escola muito organizada. Ela não tem o suporte financeiro que outras escolas têm. Não temos patrono, recursos externos, tudo que temos vêm da própria escola. Querendo ou não, isso influência no resultado. Além disso, tivemos uma questão, que é muito fundamental, para atrapalhar: a interdição da quadra. Isso afeta todo o processo de harmonia e a relação da comunidade com a própria escola. São desafios que temos de lidar. Vamos manter a grandiosidade que o Império sempre traz. Ela sempre será uma escola cotada entre as primeiras, por ser uma escola que faz carnaval para brigar entre as primeiras. Carnaval grande e cultural. Sempre foi um norte do Império da Tijuca e usaremos este ano também”, afirmou o carnavalesco.

Sobre a estética que será empregada no carnaval do Império da Tijuca para 2020, Guilherme Estevão adiantou que manterá o gigantismo e a volumetria característicos da escola, além de resgatar o verde e branco, que perdeu espaço na paleta de cores dos últimos desfiles.

“Os carros são muito grandes. Nenhum tem menos de 20 metros de chassis. Obviamente que na Série A dificulta em questão de altura. A engenharia de alegoria é uma questão, mas vamos driblando isso para que os carros estejam entre 8m e 10m de altura. Sendo que o abre-alas terá quase 50 metros de comprimento. A ideia era manter essa grandiosidade, porém mudar a cara estética no ponto de vista cromático. Vamos vir mais coloridos, com menos preto e marrom. O Império resgatará as suas próprias cores. Isso a comunidade identificou ao ver os protótipos e ao vir aqui no barracão. Eles se emocionam ao ver o verde e branco. Isso, como artista, é muito legal. A estética usada será mais limpa, mais ‘clean’ e com mais acabamento. Como seremos a última escola, teremos a questão da transição de luz, fizemos um trabalho diferenciado com as cores e materiais. Seremos uma escola mais vibrante, alegre e grandiosa”, alegou Guilherme.

Em relação aos materiais, Guilherme Estevão ainda especificou quais são os mais recorrentes em seu trabalho.

“Usaremos muito o TNT laminado, que é um material baratíssimo. Custa em torno de R$ 6,00 e dá um efeito muito legal. Também usaremos muito acetato, que já é uma tendência de alguma maneira, e é muito versátil. Nós tínhamos em quantidade aqui no barracão e, por isso, não tivemos de comprar um galão muito refinado ou comprar muito espelho. O acetato dá muita refletividade, que era o que eu necessitava. Vou usar bastante nas alas e carros. Tudo que é muito reflexivo usaremos: espelhinho, CD, TNT laminado, o esponjado… Então, trabalhamos para dar um belo efeito, mesmo com material barato, mas com incidência da luz”.

Parceria com a IFRJ e vaquinha online

Durante a entrevista ao site CARNAVALESCO, Guilherme Estevão ainda revelou que inicialmente o enredo contou com a possibilidade de receber apoio financeiro da Universidade de Vassouras, que já havia sido parceira da escola no ano anterior. No entanto, o patrocínio não foi para frente.

“A ideia de falar algo relacionado a educação partiu da Universidade de Vassouras, com a proposição de ajuda. Mas, infelizmente, aconteceram percalços ao longo do caminho e esses recursos não chegaram até o momento. Torcemos para que venha durante o caminho. Buscamos uma série de apoios e apareceu um, não financeiro, mas fundamental: o do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), que traçou com a gente, ao longo dos dois próximos anos, uma parceria. O barracão do Império da Tijuca vai ser uma espécie de escola de carnaval para a formação de profissionais. Temos a participação de bolsistas do IFRJ, pagos por eles, na confecção do nosso carnaval, sobretudo, na feitura de bancadas e adereços. Isso é muito bacana. Então, o patrocínio pode não vir de maneira financeira, mas de outras formas. Nós conversamos com várias empresas. A conversa caminhava, mas não ia pra frente”, desabafou.

Sem contar com patrocinadores e sem o repasse de verbas da Prefeitura do Rio, a escola começou a procurar alternativas para conseguir angariar fundos. Uma forma de arrecadação encontrada foi através de um financiamento coletivo, a chamada vaquinha online.

“A nossa vaquinha ainda é recente. Esse valor ainda não foi aplicado. Ele será usado, majoritariamente, para pagar os salários de funcionários do barracão. Nós pensamos muito na obtenção de materiais, mas eles só entram em prática com o trabalhador atuando. E, no caso do Império da Tijuca, conseguimos antecipar um pouco em relação a material, fantasia e carro. Agora todo recurso que tivermos, em relação a venda de fantasia, a vaquinha, será destinado a esses pagamentos. É hipocrisia dizer que todo mundo do carnaval está com salário em dia, que não está. Isso as escolas tentam mentir ou não. Aqui no Império, isso é muito transparente. Não acho que esta seja a ferramenta ideal para obter dinheiro para o carnaval, mas na situação que estamos na Série A, acho que vale. Tem pessoas que não acha legal fazer. Mas, para mim, não tem vergonha nenhuma de fazer”, garantiu.

Entenda o desfile

O Império da Tijuca será a sétima e última escola no sábado de carnaval, tendo a missão de encerrar os desfiles da Série A. A verde e branca do Morro da Formiga levará para Marquês de Sapucaí uma média de 1700 componentes, espalhados por 20 alas, três alegorias, sendo o abre-alas acoplado, e um tripé. E apesar das mudanças de regulamento do grupo, a apresentação foi dividida em quatro setores, como explica o carnavalesco Guilherme Estevão.

Setor 1: “Abrimos o desfile falando do Evando, o ‘homem livro’. Transformamos ele em um cavaleiro da educação. Trazemos pensadores que criaram um conceito de educação no Brasil, como Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Florestan, abrindo alas para este cavaleiro. Mostramos ele vindo do Sergipe para o Rio, que é quando começa a catar os livros e cria a máquina do saber”.

Setor 2: “Como o Evando busca livros perdidos, ele é um elo fundamental com a história dos livros no Brasil, que tem como um capítulo especial, os livros perdidos pela Corte Real Portuguesa na vinda do acervo para o Rio. É a partir da vinda da Corte que instituições fundamentais passam a se instalar no país, como a Imprensa Régia, que é quem começa a catalogar e produzir livros no Brasil. Com o início da produção oficial, surgem também as academias, as escolas e universidades. Há uma consolidação do livro como objeto científico”.

Setor 3: “É o livro literário. É o livro que inspirou o Evandro e que orienta a vida dele. Em cada uma das literaturas, uma quimera se revela, ou seja, um desafio, um sonho, uma conquista. Então passamos por literaturas nacionais, internacionais e as quimeras que estão vinculadas a ele. Passamos por Shakespeare, Cervantes, Neruda; vai pra literatura nacional, com ‘Morte e Vida Severina’, ‘Dom Casmurro’ e ‘Macunaíma’; e terminamos o setor com as quimeras que se revelam, sendo a bateria, representando o próprio ‘homem livro’, aquela que consegue agregar todo conhecimento”.

Setor 4: “Por fim, mostramos a educação que vai para além dos livros. Como o Império da Tijuca é a primeira escola educativa do carnaval, mostra toda a educação em seus carnavais, através de seus enredos que vão além do ensino formal da academia. Passamos por vários desfiles do Império como: ‘O mundo de barro de mestre Vitalino’, que é a educação artística; ‘O Reino Unido Independente do Nordeste’, educação política; ‘O Intrépido Santo Guerreiro’, educação religiosa; ‘Suprema Jinga – Senhora do trono Brazngola’, educação cultural; e terminamos com ‘Negra, pérola mulher’ e ‘Batuk’, que é a importância feminina e a consciência racial. Encerramos tudo isso, que é o Império do saber, com outro desfile que é ‘Utopias – Viagens aos confins da imaginação’. Como o Império da Tijuca falou de educação nos últimos 80 anos, ele projeta falar de educação pelos próximos 80. O que hoje é uma utopia, projetamos que seja uma realidade: uma educação inclusiva, de respeito ao professor, de acesso a tecnologia, para transformar o Brasil. É com essa mensagem que queremos encerrar o desfile”.

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