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Série Barracões: Tijuca se desprende de alegorias humanas e alas coreografadas, apostando em estética mais artesanal

Jack Vasconcelos utilizou como inspiração dois capítulos da obra “Sehaypóri: o livro sagrado do povo Satarê-Mawé”, do autor Yaguarê Yamã, escritor originário do povo que também será homenageado no enredo, o Satarê-Mawé

Do desfile histórico de 2004 com o carro do DNA, passando pelos anos dourados sobre o comando de Paulo Barros, mas se mantendo em carnavais sem o artista, como 2007, 2008, 2015 e 2016, a presença do efeito visual de carros com grande quantidade de componentes sempre marcou a trajetória da Unidos da Tijuca neste século. Desde 2016 sem frequentar o desfile das campeãs, a escola parece ter decidido dessa vez realizar mudanças que possam acarretar em resultados mais positivos. A contratação do carnavalesco Jack Vasconcelos, terceiro colocado em 2020 com a Mocidade, pode ser um aceno em uma busca por uma estética diferente em 2022.

O artista está produzindo “Waranã – a reexistência vermelha” e recebeu a reportagem do site CARNAVALESCO no barracão para conversar sobre suas ideias para o desfile deste ano. Jack acredita que uma mudança na forma de concepção da plástica da Unidos da Tijuca será um grande trunfo para este carnaval.

“É o conjunto. É uma estética diferente de Tijuca, sem muita alegoria humana, de alas coreografadas que a Tijuca está acostumada, as pessoas vão ver uma Tijuca diferente do que estão acostumadas. Muito mais artesanal. No processo de construção do carnaval, é um carnaval que literalmente uma peça não é igual a outra, tudo muito manual de verdade. Os aderecistas estão trabalhando bastante desde o início do processo porque isso era de propósito. A gente não queria algo que fosse padronizado, a estética do desfile é toda no conceito de ser uma grande ilustração, o enredo é no formato de conto”, revela o carnavalesco estreante.

O artista explica que a escola trará um estilo próximo da arte “Naif”, arte mais popular, mais autodidata. Jack entende que esse caminho que a escola está trilhando e se afastando um pouco de um tom mais coreografado, pode ajudar em uma evolução mais espontânea dos componentes. “É como se a gente estivesse abrindo um livro e vendo as imagens desse conto. E ele é todo desenhado, como o enredo fala sobre os olhos do Kahu’ê, sobre o seu olhar mais infantil, ele tem uma pegada plástica mais ingênua que versa até com arte Naif. O enredo todo tem esse conceito, então eu acho que isso já vai chamar muita atenção. E o fato também da Tijuca estar com a proposta de fazer um desfile mais solto. Em termos de harmonia, isso vai chamar bastante atenção”.

Enredo do presidente ganha a cara de Jack Vasconcelos

A proposta de apresentar na Sapucaí o conto do guaraná veio como sugestão do presidente Fernando Horta. Prontamente aceita pelo carnavalesco, Jack utilizou como inspiração dois capítulos da obra “Sehaypóri: o livro sagrado do povo Satarê-Mawé”, do autor Yaguarê Yamã, escritor originário do povo que também será homenageado no enredo, o Satarê-Mawé. O livro que também é ilustrado por Yaguarê, gerou inspiração para diversas ilustrações de carros e fantasias feitas por Jack.

“Originalmente foi uma sugestão do presidente da escola e ele me perguntou se seria um bom enredo, e aí eu disse que sim. E a gente partiu para pesquisa. O que mais me encantou de cara foi a própria lenda. A lenda do Saterê-Mawé, a origem do guaraná e como isso estava ligado diretamente à origem do próprio povo. Eu achei aquilo muito bonito, muito poético”, revela.

Como já de costume em seus enredos, Jack não poderia deixar de trazer alguma questão importante para sociedade. Por isso, dentro da lenda do guaraná e da formação do povo Saterê-Mawé, haverá uma importante reflexão sobre a importância da preservação da cultura indígena.

“Eu achei pertinente também a gente trazer alguma questão indígena, trazer um pouco desse discurso para o nosso carnaval, porque eu acho uma pauta importante e de uma certa maneira o carnaval sempre versou sobre esses temas. Sempre foi uma linguagem que o carnaval ajudou a construir na cabeça do imaginário da população. Então eu acho que o carnaval historicamente tem um papel importante na preservação da memória da cultura indígena para os não indígenas”, explica o carnavalesco.

Jack também indica que a preservação da natureza, da cultura indígena e de seus lugares de direito não vai ter um setor específico, mas estará presente durante todo o desfile.

“A gente tem uma parte do enredo que aborda essa questão, mas é uma questão que eu acho que está meio que dentro do enredo inteiro. Tem uma hora que ela fica mais evidente, mas o título de ‘reexistência’ não é à toa. A gente fala sobre esses modos que a gente acabou encontrando no decorrer da história de se reinventar, ou de se transformar durante o processo histórico para se manter. Quem ensina muito isso para gente é a própria natureza, o próprio ciclo de vida e morte, de como a natureza funciona, então, eu acho que ela nos dá o exemplo disso”, esclarece.

Produção do desfile é dedicada e inspirada em Oswaldo Jardim

Autor do inesquecível desfile de 1999 que rendeu o retorno ao Especial à Unidos da Tijuca, o saudoso carnavalesco Oswaldo Jardim terá sua produção artística como inspiração para a produção do carnaval de 2022 de Jack Vasconcelos. O carnavalesco estreante pela escola do morro do Borel explica como a estética de Oswaldo se relaciona com os seus próprios conceitos e estilos.

“Ele é uma influência importante para mim. O Oswaldo tem uma pegada estética que me agrada muito e que me influenciou quando eu era ‘jovenzinho’ (risos), porque ele trazia um apelo visual muito forte. A cor dele chama muita atenção, ele se comunicava muito com a questão de cor e forma, e ele trouxe experimentos de outros lugares para o carnaval também, ele furou a nossa bolha de conceito do que é material de carnaval, por exemplo, ele conversou muito com as artes plásticas e isso sempre chamou a minha atenção”, revela.

Jack aponta que as inovações estéticas trazidas por Oswaldo dialogam muito com a própria forma que o saudoso carnavalesco se coloca em relação ao desenvolvimento de seus enredos. “Essas outras possibilidades de comunicação sempre me emocionaram muito, e mais tarde eu fui entender que não era só isso, isso era uma consequência da própria narrativa dos enredos dele. Então, começava pelo jeito que ele abordava os enredos. E aí eu fui vendo uma proximidade do que eu acreditava de carnaval com o trabalho dele. E eu acho que a gente vai ver muito disso na Tijuca deste ano também”.

Fama de grande enredista e antecipação de produção estética nas sinopses

Bastante elogiado pelo desenvolvimento de seus enredos, Jack Vasconcelos procura não ficar melindrado por elogios e explica que costuma buscar uma forma de passar os temas da maneira mais entendível e simples para todas as pessoas que acompanham o desfile

“Eu procuro não pensar nisso. Quando eu recebo uma sugestão, por exemplo, nem todo enredo que a gente trabalha foi nossa sugestão inicial, isso é normal. Mas eu procuro olhar para o tema que me é sugerido e pensar em como eu conseguiria fazer com que ele chegasse para o entendimento das pessoas da melhor forma, da forma mais simples, porque as pessoas precisam entender aquilo que a gente está falando”.

O carnavalesco esclarece que procura sempre já trabalhar a concepção visual de seus carnavais logo no início da produção do enredo, no desenvolvimento da sinopse, por exemplo. “Eu não sei como é o processo de criação dos meus colegas, ou dos enredistas, enfim, os processos são diferentes. Como eu estou acostumado a fazer os meus enredos, a fazer a minha pesquisa, eu não sei desassociar esse processo. Então, quando eu, por exemplo, lanço uma sinopse, eu já tenho o roteiro do desfile todo pronto, eu já sei as alas, o que elas querem dizer, o carro, o que vai ser, eu posso não ter os desenhos, mas eu já sei o que eles serão. Então, quando uma sinopse minha chega para o público, o público já sabe dos pontos que eu vou falar. Então, o compositor é a mesma coisa. Já tenho o desfile montado na minha cabeça e já sei como ele se comunica visualmente”, informa.

Nesse processo de produção visual em paralelo com produção inicial e escrita do tema, o carnavalesco explica que isso facilita até para que o artista possa dar o entendimento do desfile relacionando cada momento, cada sentimento que o setor quer passar para o público através da própria paleta de cores.

“Eu penso quais os setores que vão ter cores mais fortes, qual o setor que vai ser mais suave, que dá uma ideia maior de conforto ou de linearidade, não tem conflito, o outro setor é mais conflitante, e eu já sei que ali vai ter umas cores mais fortes e mais chocantes entre elas. Até para passar essa ideia para o público. Mesmo com a fantasia longe, a pessoa já vai ver que tem uma guerra, ou que tem um confronto, uma coisa, ou outra ‘vibe’”, revela.

Preservação ambiental e dos povos indígenas pode ser grande mensagem deixada por este carnaval de Jack Vasconcelos

Jack é conhecido em seus últimos enredos por sempre trazer, dentro das histórias a serem contadas, uma grande mensagem para a sociedade. Em 2018 pelo Paraíso do Tuiuti havia a questão da escravidão e do trabalho análogo ao escravo ou desvalorizado que permanecia até os dias atuais. Em 2019, a crítica aos políticos e a corrupção, e ano passado, na Mocidade, no desfile sobre a Elza Soares, além de toda questão do feminismo e do protagonismo da mulher, que Elza já personificava por si mesmo, o carnavalesco trouxe a valorização dos professores, a pedido da cantora. Para 2022, nessa estreia na Unidos da Tijuca, o enredo sobre a lenda de surgimento do guaraná, também trará como pano de fundo a preservação ambiental e da memória da cultura dos povos indígenas. Com o desfile, Jack espera conseguir tirar da sociedade uma visão romantizada e muitas vezes distorcida dos povos nativos.

“Eu acho que a gente tocando as pessoas sobre a importância de se ter atenção, sobre o ataque que a cultura dos povos originários vem sofrendo principalmente neste período, só isso já estará valendo, eu já vou ficar muito feliz se as pessoas se ligarem que a gente está trazendo para as pessoas que é importante elas se ligarem, tirarem um pouco a questão indígena de um lugar idealizado, as vezes até romantizado, e trazer para o real, para o agora, para o contemporâneo, então, se as pessoas se ligarem nisso, já está de bom tamanho “, espera o carnavalesco.

Carnavalesco acredita que samba na boca do povo ajuda e rechaça barracão atrasado

Sendo festejado em todos os eventos que Wic Tavares e Wantuir apresentam, o “Waranã da Tijuca” fez muito sucesso neste pré-carnaval. A obra mais melódica tem encontrado boa aceitação entre os sambistas. Em geral, isto pode gerar mais expectativas e cobranças para a realização de um grande desfile e para um bom desenvolvimento de enredo e apresentação da parte plástica. Jack não acredita que isso aumente a responsabilidade, mas festeja e aponta o sucesso do samba-enredo como motivação extra para o trabalho.

“Eu acho que ser aclamado antes do tempo como um dos melhores sambas e tal, massageia o ego da gente, dá uma alegria extra. Responsabilidade, tudo tem. Você fazer uma escola de samba já é uma grande responsabilidade, você já está botando o seu telhadinho de vidro de fora. O mais importante disso é ter um samba que a gente gosta de cantar, porque nem sempre o samba que se escolhe né…. (risos), mas a gente dá um jeito, a gente valoriza. Mas, esse é um samba que a gente ama, a gente canta com alegria, já dá um prazer de você está trabalhando no barracão sabendo cantar o samba, que a gente lá embaixo está trabalhando e cantarolando ele, sabe? Há um prazer com o samba que a gente canta, que a gente vai representar, e isso para mim é incrível”.

Aproveitando para falar sobre trabalho no barracão, houve muita conversa de que a Unidos da Tijuca estaria atrasada com seu barracão neste início de ano. O carnavalesco Jack Vasconcelos rebate esse discurso apresentando um planejamento da escola focado para abril e garantido que a Tijuca estará pronta e bonita no momento certo.

“Eu acho que todo mundo está atrasado porque o carnaval está atrasado. O carnaval não foi na data que tinha que ser. Então, essa questão de quem está atrasado já caiu por terra quando o pessoal pulou para abril. Então, essa questão não existe mais. Se tem gente trabalhando em algum barracão de escola de samba, a gente não pode dizer que alguém cumpriu o cronograma. Então a gente está ‘super’ tranquilo com isso. Não tem motivo para a gente correr, é uma bobagem, não tem premiação para quem acaba antes, se tivesse a gente já estava pronto”, encerra Jack.

Entenda o desfile

A Unidos da Tijuca levará para a Sapucaí, em abril, 5 alegorias, mais um tripé e um “pede passagem”, com 27 alas e cerca de 3200 componentes. O carnavalesco explicou um pouco de como estão divididos os setores da escola:

Primeiro setor: “Na entrada da escola a gente fala sobre os equilíbrios das forças positiva e negativa, que o enredo vai decodificar em Yurupari e Tupana, que fazem o equilíbrio de todas as coisas. A gente fala do equilíbrio, e como o enredo fala sobre ciclos, era importante a gente mostrar que as coisas não são só de um jeito”.

Segundo setor: “A gente fala sobre a lenda em si. Monã cria o Nusokén, que é o paraíso, o lugar idealizado, e aí a gente fala dos três irmãos, Yucumã e Ukumã’wató e a bela Anhyã-Muasawê, por quem os bichos são apaixonados, e quem consegue tocar ela que é a cobra, a engravida. E aí, quando ela fica grávida do Kahu’ê, os irmãos ficam varados de ciúmes dela, porque ela é a responsável pelo lugar, por ter o conhecimento da floresta nela. E isso cria uma inveja. E quando Anhyã engravida da cobra, os irmãos encontram um motivo para expulsá-la de lá”.

Terceiro setor: “Anhyã vai ter Kahu’ê fora dessa floresta encantada e nasce uma criança muito falante, muito feliz e espertíssima. E por ser uma criança muito esperta e curiosa, ela fica sabendo da castanheira sagrada dentro de Nusokén, onde eles não podem entrar mais, e ele vai querer comer a castanha dessa árvore. E ele entra em Nusokén, os tios ficam sabendo, e falam para o Yurupari, que é a força decodificada dentro do enredo como a força maléfica, e o Yurupari dá um ‘jeitinho’, se é que vocês me entendem, na criança”.

Quarto setor: “O Kahu’ê morre, a mãe aparece para levar o corpo do filho e Tupana manda ela tirar os olhos da criança e enterrar. E chorar em cima, regar com as lágrimas, e através disso o guaraná floresce. Desse guaraná ela faz o elixir”.

Quinto setor: “Ela rega onde está o corpo enterrado do Kahu’ê, e desse corpo que ela molha com esse guaraná nasce o primeiro Satarê-Mawé, e a tribo vem toda desse primeiro e depois o segundo que é o irmão, e começa a tribo a nascer desse elixir”.

Sexto setor: “A gente começa a falar desse povo, que é o povo do guaraná, que é um povo que cultiva o guaraná até hoje, essa reexistência vermelha tem a ver com a tribo, através do renascimento do Kahu’ê, uma coisa vai gerando outra, é uma ação ruim do Yurupari, que gerou uma coisa boa do Tupana, que gerou uma coisa maravilhosa que é uma outra tribo. E a gente fala de como Yurupari tenta perseguir ou reinar nessa floresta maravilhosa. E os ataques que as tribos sofrem, agora não só a Saterê-Mawé, mas como um todo, a cultura indígena e a gente reexistindo”.

Último setor: “A gente fala sobre essa natureza toda que dá um jeito de reexistir nisso tudo, por mais que se tenha queimada, garimpo ilegal, por mais que se tenha esses ataques as tribos e a cultura indígenas, essas tentativas de apagamento de memórias, ao longo da história, a gente dá um jeito, a natureza dá um jeito de renascer. E a gente fala também dessa reexistência que também acontece no plano espiritual, dessas entidades, desses caboclos, por que o Kahu’ê transcendeu, deu origem ao guaraná, que deu origem a tribo Satarê-Mawé e vai virar uma entidade. Hoje, onde acontece uma festa de criança, festa de Erê, o Kahu’ê está presente no formato do guaraná que é a bebida dessas festas”.

Ficha técnica do barracão:
Gerente de barracão: Pedro Veloso
Aderecista chefe: Laerte
Aderecista de carros alegóricos: Laerte
Projeto de alegoria: João Torres

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