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Série Barracões: Unidos de Padre Miguel aposta na ginga da capoeira para sair vencedora na Série A

Por Diogo Sampaio

É esporte, é arte, é dança, é música, é luta. Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, nasceu em solo brasileiro, mas traz nas raízes a herança africana. A capoeira é uma das mais genuínas expressões de brasilidade e resistência. Vice-campeã da Série A em três dos últimos cinco carnavais, a Unidos de Padre Miguel abre a roda para cultura brasileira, querendo mostrar todo seu gingado, com o objetivo de alcançar o tão sonhado título.

A reportagem do site CARNAVALESCO visitou o barracão da vermelha e branca da Vila Vintém e conversou com o carnavalesco Fábio Ricardo, que explicou como surgiu o enredo da UPM para o carnaval de 2020.

“Dentro de tantas pesquisas que eu já tinha feito, veio a ideia de falar sobre a capoeira. Juntamente comigo, um amigo meu, Wilson, um curador de arte, complementou: e por que não gingar? A capoeira foi pano de fundo para muitos enredos, por que não aproveitar esse momento que nós estamos passando, de resistência, e o dela, de muita resistência a preconceitos durante a sua trajetória, desde a sua chegada ao Brasil? E por que não ser representada hoje como um grande enredo, uma grande personalidade que é da nossa cultura?”, indagou o artista.

No entanto, o enredo sobre a história da capoeira não foi a primeira opção. Inicialmente, em abril do ano passado, a Unidos de Padre Miguel lançou “Quem somos nós, Tarsila?”, em homenagem a pintora modernista Tarsila do Amaral. Porém, em junho, resolveu mudar de proposta e anunciou “Ginga”. Na ocasião, a agremiação alegou como justificativa para decisão o “atual cenário do carnaval carioca”.

“Como todo o mundo do carnaval já me conhece, principalmente, as pessoas mais próximas, sabem da minha grande paixão e o meu esmero sobre a grande artista Tarsila do Amaral. Sou um grande admirador. Eu sempre dei pinceladas, dentro da minha arte, absorvendo muito da Tarsila, seja nas cores, nas formas, eu sempre admirei, então sempre pesquisei. Saía exposição dela, eu estava presente. E há muito tempo já tinha vontade de fazer Tarsila, mesmo sabendo que ela já havia sido pincelada algumas vezes pela grande mestre e professora Rosa Magalhães. E aí, voltando com a UPM, porque não fazer Tarsila? Sendo que dentro do processo, pois já havia lançado esse (da Tarsila), apareceram novas normas dentro a Lierj. Já estava com o enredo praticamente montado com quatro a cinco setores, dividindo até com tripé, veio a norma dizendo que haviam tirado mais uma alegoria. Ou seja, se já estava difícil contar a história de Tarsila com quatro setores, quatro alegorias, imagine com três setores. Eu falei para eu mesmo: ‘Não, não posso estragar uma coisa que eu estudei quase minha vida toda de carnaval, desde quando eu era (assistente) do Max, pesquisando sobre Tarsila, acompanhando as coisa, não posso jogar, fazer um enredo com três setores e não falar do que ela realmente merece’. E aí, foi engraçado porque já tinha sido muito bem aceito pela escola e pela imprensa. Na época, a escola me fez a seguinte pergunta: ‘Fábio, qual o outro enredo que seria para superar esse?’. E me veio à cabeça que a escola já tinha um histórico de enredos afro,resolvi agradar a todos. Mas também não queria fazer um enredo afro, por fazer um enredo afro. Não queria um enredo que todo mundo já conhecesse ou acabasse batendo na mesma tecla. E porque não a capoeira? Aí surgiu a ‘Ginga’, que é a capoeira. Eu tinha outros enredos afro, como eu tenho muitas coisas bem legais, que eu descobri durante o ano em que fiquei ausente. Visitei muito aquele museu africano brasileiro que tem lá no Ibirapuera, em São Paulo. Só de lá, você tira uns dez enredos afro. Coisas que eu não sabia, uma delas foi a capoeira. Portanto, deixa a Tarsila guardada, ninguém pega porque o enredo é meu. Vai surgir um bom momento para ela aparecer novamente”, explicou Fábio.

Retornos em meio a dificuldades

Após passar um ano sabático longe da festa, Fábio Ricardo retorna justamente no grupo em que iniciou sua trajetória como carnavalesco. Foi através dos seus trabalhos a frente da Rocinha, entre os anos de 2008 a 2010, que o artista chamou a atenção de crítica e público, ganhando a oportunidade, em 2011, de debutar no Grupo Especial. Na elite, Fábio assinou carnavais na São Clemente, na Grande Rio e no Império Serrano. Para a reportagem do site CARNAVALESCO, Fábio Ricardo relatou sobre a experiência que está vivenciando ao voltar para “às origens” dez anos depois.

“Digo que não tem muita diferença, porque o meu amor pelo carnaval continua o mesmo. Acho que a única mudança nisso tudo é a minha maturidade. Na época que assumi a Rocinha, eu estava saindo de um processo e nunca imaginei que seria convidado para ser carnavalesco. Fui figurinista, aderecista e assessor do Max (Lopes, carnavalesco) por dez anos, trabalhei com João Trinta quatro, também na equipe de criação, mas nunca imaginei. E eu estava ou era um pouco mais tímido, mais reservado, mais contido, porém na arte e no bom gosto continuo o mesmo. Acho que durante esse processo todo de 2008, ano do meu primeiro carnaval solo, para cá, em 2020, ganhei maturidade em tudo, até em estética. Você acaba, dentro desse tempo, buscando a sua identidade, mesmo eu já tendo ela lá em 2008. As pessoas olharem seu trabalho e reconhecerem que ‘aquele é o Fábio Ricardo’, não tem preço. Não é olhar um trabalho e dizer assim: ‘De quem é esse trabalho? Parece com beltrano…’. Não, aquele é o Fábio Ricardo, isso é muito bom, ser reconhecido. Então, volto só com gostinho de quero mais, de ‘ah, que gostoso fazer’, sentar para colar as coisas, conversar no barracão… Isso que chamo de estar feliz no local de trabalho e retornar bem”, declarou.

Fábio retorna a divisão de acesso à elite em um cenário de profunda crise. Além da falta de estrutura já habitual do grupo, as escolas que compõem a Série A sofrem este ano os ônus do corte completo do repasse de verbas da Prefeitura do Rio. Sem essa subvenção, os profissionais e seus respectivos pavilhões têm de recorrer as mais diversas soluções criativas e alternativas para conseguir colocar um carnaval na Avenida.

“Já vim preparado para a Série A, sabendo que eu ia enfrentar todas essas dificuldades. Só que acabou que na minha época anterior aqui, não era tão difícil quanto é hoje. Em vez de melhorar, a forma de olhar para o grupo de acesso acabou piorando. É cada vez mais necessário usar sua criatividade naquilo que puder. Eu sei que tem hora que não dá mais para usar a criatividade, mas é preciso empregar certos tipos de recurso para você lá na frente não sofrer. É não inventar aquilo que vai te dar dor de cabeça. É exatamente essa a fórmula que o grupo de acesso faz. Não só eu ou só alguns, é de uma forma geral. O tempo de você agilizar as coisas é dar solução e não procurar problemas, usando a sua criatividade, botando para fora tudo o que você aprendeu. Isso, graças a Deus, dentro da minha experiência no carnaval, valeu os muitos anos trabalhando com pessoas, com mestres, que tinham poder de criatividade. Quando não tinha uma coisa, vai outra, tem de ser rápido”, analisou.

E mesmo diante das dificuldades, Fábio Ricardo garante que a Unidos de Padre Miguel irá manter o padrão de desfiles grandiosos e opolulentos dos últimos anos, mas sem ostentar materiais caros ou luxuosos. Para ele, é fundamental que qualquer carnavalesco que chega a uma nova agremiação respeite a identidade e as características estéticas daquela escola, sem querer impor seu próprio estilo, contudo colocando toques dele no trabalho.

“Sou um carnavalesco que, estando em uma agremiação, respeito muito o tipo de carnaval que ela gosta de fazer. Passei por grandes escolas na minha carreira, sempre estudando e vendo a melhor forma de eu conseguir adaptar a minha arte para elas. Porque é muito ruim você tirar a identidade da escola. Acaba ficando triste para todos os lados: da escola, do folião que desfila nela, do carnavalesco… Então, posso garantir que a escola realmente vem com estrutura de Grupo Especial. Quando divulguei os protótipos das fantasias deste ano, recebi muitos elogios pela crítica como: ‘Fábio, você está fazendo fantasias de Grupo Especial’ ou ‘Está melhor que muita escola aí do Grupo Especial’. O que eu fiz? Não tem fantasia minha cara, porque eu soube trabalhar com materiais acessíveis. É o que falo: bom gosto para fazer, às vezes menos é mais”, ressaltou.

Prevenção à chuva

Outra preocupação do artista é a precaução com uma possível chuva. Ano passado, a Unidos de Padre Miguel enfrentou um forte temporal na concentração, que foi responsável por danificar fantasias e alegorias. Todavia, de acordo com Fábio, esse cuidado já é feito há longa data em seu trabalho.

“Eu já peguei chuva na Avenida. E muita chuva! No meu primeiro ano na Rocinha, em 2008, antes de entrar, peguei um temporal, mas garanto: não caiu nada. Por quê? Porque você quando está fazendo a sua fantasia, a sua alegoria, já tem ciência, pela experiência que já teve de outros carnavais, de saber o que você pode levar para a Avenida para não te causar dor de cabeça. É você estudar antes de fazer qualquer coisa. Então por eu ter, graças a Deus, essa experiência de Avenida, dessas coisas todas, a gente acaba se calçando: isso funciona, isso não funciona, isso é demais, não vou colocar porque pode chover, porque ninguém está livre disso… Peço a Deus que não chova no meu dia de desfile, e nem no dos colegas também, pois é triste pra todo mundo”, afirmou.

Entenda o desfile

No carnaval 2020, a Unidos de Padre Miguel irá para Marquês de Sapucaí com 21 alas, três alegorias (sendo o abre-alas acoplado) e um tripé. O boi vermelho da Vila Vintém será a sexta e penúltima agremiação no sábado de carnaval, segundo dia de desfiles da Série A. Para a reportagem do site CARNAVALESCO, Fábio Ricardo explicou em detalhes acerca da setorização do enredo “Ginga”:

Setor 1: “O primeiro setor é o nascimento da capoeira, no sul da África, na tribo Mockup. A gente pega um pouco dessa estrutura de civilização, o quê era a tribo Mockup, como essa tribo funcionava, para saber o porque dessa grande efundula que eles faziam, que era o ritual da puberdade. É daí que eles tiram esses movimentos da capoeira, que são da natureza. Nesse mesmo setor, a gente usa da criatividade e da licença poética para fazer a transição para a chegada da capoeira junto com os negros aqui no Brasil, onde todas as tribos da África e nações diferentes se misturaram. O nosso abre-alas é o primeiro porto, que é o Cais do Valongo, local em que desembarcavam os negros. Dentro das minhas pesquisas, o primeiro movimento, a primeira imagem que nós temos da capoeira no Brasil, que só se chamava N’golo até o século XVII, foi de uma pintura feita por Debret e Rugendas no porto do Cais do Valongo. Tem até na nossa sinopse que, embora o Cais esteja manchado de sangue, nós trazemos a esperança. Atrás disso tudo, do Cais do Valongo, dessa atmosfera toda que é pitoresca, eles trazem na alma a África. Os apaixonados pela UPM vão sentir o que é essa grande fortaleza que esse negros trazem”.

Setor 2: “É um setor forte em que a gente já retrata a capoeira na Bahia, onde ela é muito vista, muito bem valorizada, apesar das resistências, da discriminação e da marginalização. A capoeira acaba se inserindo, dentro desse contexto, nas tradições da Bahia com os festejos, as festas religiosas, as casas de candomblé. Ela se divide em algumas casas e cultos, principalmente de Angola, e depois vai para outro festejo, que é a festa dos caboclos da Bahia. E poucos sabem que o nome capoeira vem da língua tupi-guarani e que significa mato ralo, rasteiro. Há algumas coisas de pesquisa que eu fiz onde tem “Mata do Capoeirão”. E porque? Porque era por onde os escravos fugiam, iam para a “capoeira” e quando eram encontrados a defesa deles era essa arte”.

Setor 3: “E aí tem o nosso último setor, que é a resistência que é a capoeira. Grandes personalidades da história brasileira jogaram e estarão presentes ali, representando juntamente com a capoeira, esse gingado que todos tivemos e essa resistência. Principalmente a Unidos de Padre Miguel, que passa por essa resistência hoje, no mundo do carnaval”.

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