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Série de Barracões: Tom Maior aposta em enredo reflexivo e que valoriza a cultura negra

Por Matheus Mattos

A equipe do site CARNAVALESCO foi até a fábrica do samba para conversar com o carnavalesco André Marins, da Tom Maior. A agremiação traz um enredo de exaltação ao povo negro, tema intitulado como: “É Coisa de Preto”. Segundo o carnavalesco, o carnaval busca destacar personagens negros que não foram valorizados na história.

“O enredo da Tom Maior na realidade é uma grande homenagem. Vamos tentar abrir as novas páginas do livro da história e mostrar personagens que não foram vangloriados. Na realidade, a gente tá fazendo os nossos novos super-heróis. O enredo é do Judson Sales, ele trouxe a proposta e nós adoramos a concepção do tema. Isso é a Coisa de Preto, trazer a questão ao contrário do que dizem”.

O carnavalesco ressalta que o samba é o principal movimento que procura valorizar as grandes personalidades negras.

“Nós temos personagens que estão sendo enredos em outras escolas. Abdias do Nascimento na Mocidade Unida da Mooca, Elza Soares na Mocidade de Padre Miguel, Benjamin de Oliveira no Salgueiro. Tive o prazer de conhecer Joãozinho 30 e ele deixou bem claro que o carnaval precisa mostrar o que nunca foi mostrado. Quem já ouviu falar de Thereza de Benguela nas escolas? Luiz Gama? São personagens quem precisam estar na linha da história, as crianças precisam saber”.

Durante a pesquisa de elaboração da sinopse e construção do carnaval, André conta que se impressionou com a história de alguns nomes e lamenta ausência de outras figuras.

“A gente está trazendo os nossos verdadeiros heróis, sem capa, sem superpoderes, mas que viveram e mostraram sua importância. A história da Elza é fabulosa, Mãe Menininha, eu já tinha feito um enredo sobre ela e fiquei um pouco chateado de não poder colocar mais coisas no desfile da Tom Maior. Ela foi uma mulher que conseguiu entrar numa igreja católica com os filhos vestidos de santo. O enredo é muito abrangente, chegou um momento que falamos ‘não da mais pra vir por aqui’, e é uma pena. Tem muitos outros personagens que ficaram de fora”, afirma, e aproveita pra acrescentar: “Falam que enredos afros são temas batidos, na realidade não. Estou lendo um livro do Ademar Ferreira da Silva e a história da vida dele da um enredo perfeito pra uma escola de samba”.

André Marins também explica o significado do termo “Coisa de Preto” e intuito com o tema. “Tudo que é negativo tem gente que fala; ‘ah, só podia ser coisa de preto’. A gente mostra que o positivo é coisa de preto. A ideia era fazer essa brincadeira e colocar as pessoas pra pensarem. Eu queria algo um pouco mais questionador, mas todos entenderam desde o início”.

Tom Maior traz desfile com críticas indiretas

Os enredos do carnaval de São Paulo seguem a contramão das críticas mais agressivas. Durante o bate-papo sobre o barracão, a presidente Luciana Silva também participou da conversa e acrescentou informações.

“A gente não entra muito na questão da crítica. Temos uma pincelada sim, mas a questão é que o carnaval de São Paulo não adere tipos de enredos iguais o da Mangueira, a gente queria muito isso. O desfile de São Paulo é análise com o que está na pasta”, expõe o André Marins.

A presidente Luciana acrescenta que mensagem não é direcionada apenas à governantes.

“Nos últimos anos as escolas estão mostrando esse lado da história, mas de uma outra forma. Não da pra sair com cartaz no desfile, com uma crítica mais agressiva, você compra uma briga que é pesada. No Rio essa briga já existe de um governo que não apoia o carnaval. Aqui estamos num momento muito bom. Infelizmente a sociedade se faz de cega e muda, ela demora um pouco pra entender que o nosso enredo é pra todo mundo, não só pra político, governo, etc. Até porque essas pessoas estão por votos do povo. Então de uma forma sútil, nós colocamos sim a crítica”.

Depois de dois anos seguidos encerrando as noites de desfiles, a Tom Maior volta a desfilar de noite. Perguntado sobre o que muda na estrutura do projeto, André explica:

“De manhã é mais complicado. Em 2018 foi um horário maravilhoso, porque a gente entrava de noite e saia de dia. Deu hiper certo o lance de iluminação, espetáculo. Em 2019, nós projetamos um desfile pro dia. Foi magnífico. Eu nunca tinha feito desfile pra dia, tem algumas coisas que eu não repetiria. Agora desfilar de noite é outra questão, a gente tem o benefício da nossa iluminação funcionar. A gente tem uma equipe de luz fantástica, agora é aguardar”.

Conheça do desfile

A Tom Maior vai desfilar com cinco alegorias, em 20 alas, com duas ações cênicas e três casais de mestre-sala e porta-bandeira.

1° SETOR
“Eu começo com a comissão de frente, que são os Griots, os contadores de histórias que narram o enredo passado na avenida. É como se eles tivessem contando lá no passado a história do futuro, dessas pessoas que viriam pro Brasil”.

2° SETOR
“A gente traz a questão de como eles foram raptados, como vieram até o nosso continente. Eu já escrevi um texto que fala que mais de 5 milhões de seres humanos foram raptados do solo africano, e só chegaram 4 mil pessoas por ano. Mas no nosso enredo a gente não conta esse sofrimento, damos uma conotação no futuro, que eles já determinam uma nova sociedade. Olokum vem guiando essas pessoas num mar de sangue, o sangue que eles deram pra tornar o que o Brasil é hoje”.

3 ° SETOR
“Aqui a gente fala dos espetáculos, aonde homenageamos alguns personagens. Falamos da comédia, do samba, o esporte, teatro, e dentro desse picadeiro trazemos esses grandes personagens, como; Ruth de Souza, Grande Otelo, Mussum, Ademir Ferreira da Silva. A gente fala também de Benjamim de Oliveira”.

4° SETOR
“Nesse setor a gente começa a falar sobre a arte, literatura, poesia, artes plásticas. A gente cria o barroco negro, onde a arte do aleijadinho é a nossa principal obra”.

5° SETOR
“Aqui falamos dessa construção de uma nova sociedade, aonde a gente traz personagens da música e que são vozes atuantes na sociedade, e falam sobre o negro, preconceito, discriminação. Como, por exemplo, o Mano Brown. Temos uma ação cênica da Madame Satã, aonde a gente traz uma Lapa misturada com prostitutas, travestis, policiais, capoeiristas. Um dos principais pontos é a homenagem à um dos grandes nomes da religiosidade brasileira, que é a Mãe Menininha. Ela é reverenciada pelos orixás e construímos essa sociedade seguindo o conceito do tabuleiro de xadrez. Temos peças multicores, o tablado como conceito de sociedade e essas peças montando a sociedade nova. Trazemos as peças clássicas, mas também trazemos as peças que compõe a nossa sociedade”.

6° SETOR
“O último setor a gente deixa pra justiça. A gente traz personagens que lutaram para que todos os negros tivessem sua voz. Terminamos com um grande carro que traz uma justiça cega, surda e muda, e colocamos a reflexão da justiça de hoje. Não posso falar muito desse carro porque ele tem uma surpresa no final, mas nesse carro temos Joaquim Barbosa, Maria Felipa, Luiz Gama e Elza Soares”.

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